Uma preciosidade
Procurava eu um determinado livro nas minhas estantes (tarefa nem sempre fácil, apesar de eu os ter mais ou menos organizados, porque já são mais de oitocentos) quando tropecei num livrinho velho que há já algum tempo alguém deu a alguém que me deu a mim, por conhecer a minha paixão por livros, mas do qual eu praticamente me tinha esquecido. E é este “achado” curioso que quero partilhar hoje com vocês.
É um livro pequeno e fininho, com 10x15 cm e menos de 1 cm de espessura, e com uma capa forrada de tecido castanho, já meio desbotado e esfiapado.
As folhas estão muito amareladas pelo tempo, ligeiramente carcomidas nalguns pontos e com os bordos irregulares.
No verso da capa tem uma etiqueta com a indicação do encadernador.
E na primeira página, em cima, escrito a lápis, um nome feminino: Delmira.
Mas o mais interessante vem depois, numa página escrita à mão que nos diz que este é um livro de versos que pertenceu a Delmira Maria Assumpção da Costa (o nome está riscado a lápis e foi acrescentado outro por baixo). E a seguir, a data: Lisbôa 10 de Outubro de 1869. Não, não me enganei, é mesmo este o ano: 1869.
Este livrinho tem 147 anos de idade!
Foi escrito na segunda metade do séc. XIX, quinze anos depois da morte de Almeida Garrett e um ano antes de Eça de Queiroz publicar o seu primeiro livro.
Quando mo ofereceram nem reparei na data e só agora me apercebi de como ele é realmente antigo.
Mas há mais curiosidades. A caligrafia é belíssima, com os títulos dos poemas em letras desenhadas com sombreados e os textos em itálico e, por vezes, algumas palavras em destaque com letras maiores e mais elaboradas. São ao todo 18 poesias em 60 páginas numeradas, e uma folha rasgada no final que se percebe ser um índice.
Os poemas versam temas variados, mas não têm indicação dos seus autores. Há poemas de amor, políticos e populares. Numa breve pesquisa que fiz na net encontrei dois ou três devidamente identificados, mas da maioria não detecto qualquer vestígio.
A título de curiosidade, transcrevo em baixo um dos mais engraçados, exactamente com a grafia com que está escrito:
A festa de Sto. Amaro
1º
Marujos, saloiada, catraeiros,
Fadistas, tocadores de viollas,
Gallegos sacudindo as castanholas,
Bailando ao som de gaitas e pandeiros.
2º
Seges, machos, cavallos e sendeiros,
Muito povo girando a dar às solas,
Apertões, pizadellas, cantarolas,
Guitarristas, patuscos, piteireiros.
3º
Bodegas mascarradas e nojentas,
Onde tudo se vende mau e caro,
E do azeite o fartum arreda as ventas…
4º
Que salgalhada é esta em que reparo?
Respeita isto que vês – são coisas bentas?
É a festa devota a Santo Amaro.
É ou não uma preciosidade?