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Gene de traça

Livros e etc.

Tempos de mudança

por Ana CB, em 26.04.16

A TRILOGIA DO CAIRO

Naguib Nahfouz

 

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Livro #1

Título: Entre os Dois Palácios

Título original: Bayn al-qasrayn

Autor: Naguib Mahfouz

Ano de lançamento: 1956

Editora: Civilização

Publicação: 3ª edição – Abril 2011

Número de páginas: 508

Tradução: Badr Hassanein

 

Livro #2

Título: O Palácio do Desejo

Título original: Qasr esh-Shawq

Autor: Naguib Mahfouz

Ano de lançamento: 1957

Editora: Civilização

Publicação: Abril 2008

Número de páginas: 440

Tradução: Badr Hassanein

 

Livro #3

Título: O Açucareiro

Título original: Es-Sukkariyya

Autor: Naguib Mahfouz

Ano de lançamento: 1957

Editora: Civilização

Publicação: 32ª edição - Março 2009

Número de páginas: 324

Tradução: Badr Hassanein

 

 

Tive a feliz ideia de comprar estes três livros numa promoção e só posso dizer-vos que foi uma das melhores decisões que tomei em toda a minha vida de leitora, porque assim pude lê-los todos de seguida. E que bem me soube!

 

Esta obra-prima do escritor egípcio Naguib Mahfouz (1911-2006), que foi galardoado com o Nobel em 1988, conta-nos a história de uma família muçulmana tradicional no Cairo durante a ocupação britânica nas primeiras décadas do séc. XX. A saga abrange três gerações da família cujo severo patriarca, Ahmad Abd al-Jawad, vive como que uma espécie de vida dupla: de dia é o respeitável proprietário de um negócio e um temido chefe de família a quem ninguém se atreve a desobedecer, enquanto à noite leva uma vida semi-secreta de devassidão e adultério. Ele é o protótipo do homem que arroga a hipocrisia de se achar livre de fazer tudo o que lhe apetece sem que ninguém possa apontar-lhe o dedo, ao mesmo tempo que rejeita a possibilidade de idêntica conduta nos outros. Amina, a sua segunda mulher e mãe de quatro dos seus cinco filhos, é a típica esposa dócil e submissa cuja vida gira em torno do marido, dos filhos, e da gestão impecável da sua casa, onde nada pode falhar. Abnegada e receosa, abdica da sua própria felicidade para satisfazer a dos que lhe são próximos. A vida de Aisha e Khadija, as filhas, é também de recato e reclusão, apesar de ambas terem temperamentos muito diferentes. Dos filhos, Yasin é o mais velho, nascido do primeiro casamento de al-Jawad, e é o mais parecido com o pai tanto em ideias como em atitudes. Fahmy, o do meio, é um idealista. E Kamal, o benjamim da família, é o preferido do pai, e um intelectual em busca da sua própria essência e do seu lugar no mundo.

 

Há ainda todo um rol de personagens secundárias com personalidades diversas e funções bem definidas na história, todas elas igualmente deliciosas.

 

Ao longo dos três livros, os acontecimentos que marcam esta família são o reflexo das turbulências que agitam o país nos anos que da primeira à segunda Grande Guerra e das mudanças sociais inerentes, às quais alguns tentam resistir. Mas nem os apoiantes de grandes mudanças nem os tradicionalistas arreigados saem “vencedores” desta contenda que é recorrente em todos os países, em todas as sociedades do mundo, pois nem as mentes mais vanguardistas conseguem largar completamente alguns hábitos e preconceitos de que estão imbuídos, nem os mais retrógrados conseguem evitar que a sociedade vá evoluindo, mesmo que lentamente, no sentido que eles menos desejariam.

 

Não tem paralelo a mestria de Naguib Mahfouz em conseguir transmitir através da palavra escrita todos os cambiantes da personalidade de cada um dos protagonistas da história, a sensibilidade com que narra até mesmo os acontecimentos mais chocantes, por vezes de forma tão subtil que deles apenas temos um breve vislumbre, a riqueza das descrições que faz de cada cenário, dos ruídos, dos ambientes. Nada do que ele escreve ou descreve é aborrecido ou em excesso, os livros lêem-se com enorme facilidade e fluidez. O autor revela-nos de forma natural, sem forçar, as personagens dos seus livros na sua forma mais humana, penetrando no seu coração e na sua mente para lhes conhecermos as dores e alegrias, as esperanças e desesperos, as paixões e ódios. E simultaneamente conta-nos parte da história do Egipto através das opiniões e dos pensamentos dos vários membros que compõem esta família e as suas diferentes perspectivas em relação à vida.

 

Uma nota final para a excelente qualidade da versão traduzida em português, à qual não será certamente alheio o facto de ter sido feita directamente do árabe e não de uma versão noutra língua. Um trabalho excepcional de grande fôlego – são, ao todo, mais de mil e duzentas páginas impressas num estilo denso – ao qual tiro o chapéu, pois estou bem ciente da dificuldade de uma empreitada deste género e com este nível qualitativo (ou não fosse esta também a minha profissão, embora noutra área).

 

A Trilogia do Cairo é, na minha opinião, uma grande obra de um grande escritor, e uma leitura absolutamente incontornável. E – acreditem! – não estou a exagerar.

 

 

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