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Gene de traça

Livros e etc.

Entre aspas #14 Jean Rhys

por Ana CB, em 06.02.17

 

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A vida como ela é

por Ana CB, em 12.02.16

A VIDA AMOROSA DE NATHANIEL P.

Adelle Waldman

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Título: A Vida Amorosa de Nathaniel P.

Título original: The Love Affairs of Nathaniel P.

Autor: Adelle Waldman

Ano de lançamento: 2013

 

Editora: Teorema

Publicação: 1ª edição – Março 2015

Número de páginas: 288

Tradução: Luís Rodrigues dos Santos

 

 

“A Vida Amorosa de Nathaniel P.” gira à volta de um escritor em ascensão que vive em Nova Iorque e dos seus relacionamentos com o meio social e cultural em que se move e as mulheres. Aclamado “Livro do Ano” por vários jornais de referência, como o “The New Yorker”, o “The Guardian” ou o “Chicago Tribune”, entre outros, este livro acaba por ser uma espécie de crónica sobre um determinado tipo de “fauna” nova-iorquina e os seus hábitos sociais. Contundente sem no entanto cair no moralismo (que é habitualmente tão querido dos norte-americanos), Adelle Waldman oferece-nos a visão nua e crua do que poderá ser nos dias de hoje a vida de um jovem numa cidade americana moderna.

 

Nate Piven é ambicioso, talentoso e incapaz de manter uma relação amorosa sã e duradoura. O seu entusiasmo por qualquer mulher é breve e não resiste à continuidade de um relacionamento, embora por vezes ele se deixe “ir na onda” – mas apenas por comodismo. Só que Nate tem consciência das suas fraquezas de carácter e daquilo que a sociedade espera dele, por isso vive quase constantemente em conflito consigo próprio, dividido entre o seu egoísmo consciente e a pressão de querer dar aos outros uma boa imagem de si. Sempre narrada do ponto de vista de Nate, embora não na primeira pessoa, a história entrelaça de forma natural pedaços do presente com reminiscências de acontecimentos passados, momentos de introspecção com diálogos e descrições vívidas, e nunca se torna repetitiva ou aborrecida.

 

A impressão maior com que fiquei deste livro-surpresa-best seller de Adelle Waldman é a de que a história e as suas personagens poderiam muito bem ser reais. Não existem cenários idílicos, situações mirabolantes ou pessoas excepcionais. Tudo parece tangível, e todas as personagens são extremamente credíveis. Com as devidas distâncias por se tratar de uma história que se desenvolve no seio de uma fatia específica da sociedade nova-iorquina, qualquer daquelas pessoas poderia ser eu ou um de vocês, qualquer acontecimento descrito poderia ter lugar na vida real. Não há “paninhos quentes” nem operações de cosmética que suavizem ou embelezem as situações narradas no livro.

 

A forma como a autora, sendo mulher, consegue descrever tão profundamente e de forma isenta aquilo que se passa na cabeça de um homem é outro dos aspectos surpreendentes do livro. Não sendo um exercício de escrita inusitado, é contudo pouco habitual e certamente nada fácil de executar sem cair no chavão ou escorregar no preconceito. Objectivo que Adelle Waldman consegue de forma brilhante em contenção, evitando até o facilitismo de um final previsível.

 

É um livro fácil de ler, apesar da reduzida simpatia que sentimos intermitentemente pela personagem principal, interessante sobretudo pela crítica social implícita ao longo de toda a história. E que levanta mais uma vez a grande dúvida: estará a sociedade ocidental dos nossos dias a transformar-nos em autistas dos afectos?

 

 

A vida é coincidência

por Ana CB, em 07.07.15

 

A BASTARDA DE ISTAMBUL

 

Elif Shafak

 

 

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Título: A Bastarda de Istambul

Título original: The Bastard of Istanbul

Autor: Elif Shafak

Ano de lançamento: 2007

 

Editora: Jacarandá

Publicação: 1ª edição – Janeiro 2015

Número de páginas: 372

Tradução: Maria João Freire de Andrade

 

Há livros cuja sinopse nos engana de sobremaneira, e para mim este foi um desses casos. Não que isso seja forçosamente mau. Simplesmente estava à espera de uma coisa diferente; não melhor nem pior, mas diferente.

Fiquei com curiosidade de ler algo da Elif Shafak quando vi o nome dela mencionado por Paul Theroux no seu livro “Comboio-Fantasma para o Oriente”. Theroux encontrou-se com ela em Istambul, e dela diz que “a sua paixão e impulsividade eram inequívocas” e que “também era inesperadamente combativa”. Por coincidência, logo a seguir descobri que estava a ser lançado em Portugal este livro, e daí a comprá-lo foi um ai. A cereja no topo do bolo era, claro, o facto de ser passado em Istambul, que é “só” a minha cidade europeia favorita.

“A Bastarda de Istambul” é na verdade um pouco como a cidade do título: um cadinho de ambientes, de excentricidades, de contradições, de histórias. É uma história de mulheres e com mulheres, onde os homens apenas encarnam o papel de catalisadores pontuais, e no entanto determinantes. É uma história onde a realidade mais crua e o misticismo da vidência se entrelaçam, e esta mistura consegue ter algum sentido. É uma história cheia de personagens inverosímeis de tão excêntricas, mas ainda assim compostas por pequenas notas de humanidade. É uma história que fala do passado e do presente, de culpa e de perdão, de amor e de raiva, e de como tudo acontece por uma razão.

Asya é uma jovem turca no final da adolescência. Vive em Istambul, rodeada de avós, tias e a sua mãe, todas elas mulheres a quem a palavra “normalidade” não se aplica. Não há homens na família próxima (morrem todos muito cedo) e desconhece quem é o seu pai. Niilista por natureza, frequenta um café onde se encontra regularmente com os seus amigos, outras personagens também à deriva na vida.

Armanoush, é uma jovem americana mais ou menos da mesma idade. Vive no Arizona com a mãe, também americana, e o padrasto, que é o único homem ainda vivo da família de Asya. O pai de Armanoush e toda a sua família vivem em São Francisco e são descendentes de arménios, a cujas tradições estão fortemente agarrados, razão pela qual sentem um ódio visceral pela Turquia. A adolescente vive dividida entre as suas duas famílias antagónicas, procurando agradar a ambas, pertencer a ambas, buscando consolo e orientação num grupo de amigos também de origem arménia que só conhece pela internet.

Asya e Armanoush são duas raparigas à procura das suas raízes, tentando perceber qual é o lugar que ocupam no mundo. Separadas por muitos milhares de quilómetros, o acaso acaba por as juntar, e este simples facto desencadeia uma série de acontecimentos empurrados pela força do destino, que culminam no desvendar de segredos há muito tempo guardados.

Mas o livro vai mais longe. Como pano de fundo é abordada a história do genocídio arménio perpetrado pelo Império Otomano no início do Séc. XX, um genocídio que a Turquia continua a não reconhecer e está há muito tempo praticamente esquecido, mas devido ao qual se calcula tenham morrido cerca de um milhão de arménios. Aliás, foi precisamente o facto de incluir esta história no seu livro que valeu à escritora um processo judicial interposto por um grupo nacionalista (acusada de denegrir a essência turca), do qual foi felizmente ilibada.

Elif Shafak é a escritora turca com mais livros vendidos da actualidade. Tem recebido inúmeros prémios e distinções pelos seus trabalhos (nem todos são romances). Nas suas histórias combina a actualidade com a tradição, a filosofia com a história, a cultura oral com a intervenção cultural. Escreve com uma voz moderna e ainda assim cheia de sensibilidade; vai variando o tom, os narradores, os pontos de vista, até por vezes o formato da escrita, o que contribui para animar uma história que de outro modo talvez fosse demasiado pesada. Na altura do lançamento deste livro no nosso país deu uma entrevista ao DN (que pode ser lida aqui) onde fala precisamente das suas preocupações e da literatura nos dias de hoje.

Não irei ao ponto de dizer que “A Bastarda de Istambul” será um dos meus livros preferidos. Gostei bastante da história e da escrita de Elif Shafak, mas não me encheu completamente as medidas. Fiquei quase com a sensação de que é um livro condensado, de que haveria ali muito mais a explorar. Terá sido provavelmente intencional por parte da autora, mas para mim é como se faltasse qualquer coisa. Gostaria também que houvesse mais Istambul na história, que a cidade estivesse mais presente – porque é uma cidade linda, que eu adoro, e porque se presta maravilhosamente a ser o cenário para um romance. A questão do genocídio também poderia ser algo mais aprofundada – a autora faz uma breve viagem no tempo para contar uma pequeníssima parte da história dos antepassados de Armanoush, mas este “flashback” sabe a pouco.

O que na minha opinião redime o livro são precisamente os capítulos finais. As pontas deixadas soltas ao longo da narrativa unem-se finalmente e conseguimos então ver todo o quadro. Como rios correndo para se juntarem antes de desaguar, assim confluem todas aquelas pequenas histórias para um final comum, porque tudo o que é contado ao longo do livro tem um propósito: o de nos mostrar que a vida é coincidência, e que por muitas voltas que se dê, não há como escapar-lhe.