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Gene de traça

Livros e etc.

Ilhas do Norte

por Ana CB, em 05.01.17

 

Estar doente é das coisas mais aborrecidas e despropositadas que podem acontecer, sobretudo se a doença envolver febre, dores e/ou má disposição – e o supra-sumo da barbatana é quando envolve tudo isso. A única coisa menos má de estar doente é ter mais tempo para ler, quando não estou simplesmente em estado vegetativo ou a dormir, e a leitura (e um ou outro filme ou série na tv) é que me salva de morrer de tédio nestas alturas.

 

Já devem estar a perceber onde quero chegar. Passei a minha silly season do ano que acabou – não, para mim não foi o Verão mas sim a semana entre o Natal e o Ano Novo – enfiada em casa a “curtir” uma bela gripe, alternando entre a cama e os sofás, e sem energia para nada (mas sobre isto já desabafei neste post). Como não me apetecia ler nada que fosse muito complicado ou pesado, fui buscar à minha de pilha de livros TBR um policial nórdico, “Cinza e Poeira”, de Yrsa Sigurdardóttir, a escritora islandesa de quem também li há algum tempo “O Silêncio do Mar”. Depois, por coincidência, à procura de qualquer coisa interessante para me distrair num momento em que me sentia demasiado apática até para ler, dei com uma série também policial que tem estado a passar na Fox Crime, “Shetland”, e fiquei agarrada.

 

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“Cinza e Poeira” é uma história de mistério que gira à volta de acontecimentos passados nas ilhas Westmann (situadas junto à costa sul da Islândia) na altura da erupção do vulcão Eldfell, em 1973. “Shetland” é baseada na série de livros policiais de Ann Cleeves cujos enredos têm como paisagem as ilhas com o mesmo nome (e que se localizam a norte da Escócia). Histórias diferentes que se passam em cenários parecidos, o livro e a série acabaram assim por se complementarem no meu imaginário e foram uma mais-do-que-excelente distracção para estes meus dias de “prisão domiciliária”. Com a vantagem acrescida de estimularem a minha veia de viajante – e à minha já antiga vontade de conhecer a Islândia juntaram-se agora mais algumas ilhas do norte da Europa.

 

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Título: Cinza e Poeira

Título original: Aska

Autor: Yrsa Sigurdardóttir

Ano de lançamento: 2010

 

Editora: Quetzal

Publicação: 1ª edição – 2011

Número de páginas: 512

Tradução (do inglês): Lucília Filipe

Revisão: Pedro Ernesto Ferreira

 

Trinta anos depois da erupção do Eldfell, Markús Magnússon regressa à casa da sua infância, agora já liberta das cinzas vulcânicas que a cobriram durante todos esses anos. Vai recuperar a caixa que uma amiga lhe tinha pedido para guardar na altura, mas ao fazê-lo descobre que essa caixa contém uma cabeça humana e que na cave também se encontram três cadáveres de pessoas desconhecidas. Quando, logo a seguir, a amiga aparece assassinada, Markús passa a ser o principal suspeito e Thóra Gudmundsdóttir, a sua advogada, vai ter de desvendar obscuros segredos do passado para resolver o mistério de tantas mortes e conseguir provar que o seu cliente é inocente.

“Cinza e Poeira” prendeu-me logo desde o início. Partindo de um acontecimento verídico, Yrsa Sigurdardóttir constrói um mistério em que vai largando, aqui e ali, pormenores macabros, fragmentos da história vistos pelos olhos de personagens secundárias, descrições de ambientes, pistas que não conseguimos discernir se são ou não importantes, tudo intercalado com episódios comezinhos da vida diária de uma vulgar advogada, contados com bastante humor e sentido crítico. As personagens principais da história têm personalidades variadas e fogem aos clichés habituais – e uma das mais engraçadas é sem dúvida Bella, a secretária “gótica” de Thóra, refilona e mal-humorada mas surpreendentemente perspicaz e por vezes mais eficiente do que o expectável.

Apesar de cheia de voltas, nós e becos sem saída (reconstruir acontecimentos passados trinta anos, quando a maioria das pessoas envolvidas já morreu, perdeu a memória ou era ainda demasiado jovem para se lembrar, não se revela tarefa fácil), a trama deste livro é perfeitamente verosímil e todos os factos aparentemente incongruentes acabam por se ir encaixando na história de forma lógica e satisfatória. E através dos comportamentos de várias personagens, o livro dá-nos ainda a conhecer algumas características da sociedade islandesa, o que é um motivo adicional de interesse. É certo que consegui perceber alguns dos mistérios ainda antes de chegar ao fim do livro, mas nem assim o final deixou de me surpreender – e se há coisa de que eu gosto num livro é não conseguir adivinhar o final.

A minha única nota menos boa vai para o trabalho de tradução e revisão. Definitivamente, vírgulas a mais num texto estragam bastante o gozo da leitura, principalmente quando esse uso não só é mau do ponto de vista do estilo como muitas vezes errado do ponto de vista gramatical. Tal como é incomodativa a mistura de forma incorrecta de diferentes pretéritos numa mesma frase ou parágrafo (mas sobre isto farei um destes dias um post especial). Traduzir bem não é traduzir à letra e todos sabemos que o português é gramaticalmente mais complexo que o inglês. Entre outras coisas, há que ter cuidado com os tempos dos verbos. E a revisão de um livro também serve para detectar estes usos mais baralhados (e baralhadores) da língua.

 

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Título: O Silêncio do Mar

Título original: Brakiđ

Autor: Yrsa Sigurdardóttir

Ano de lançamento: 2011

 

Editora: Quetzal

Publicação: 1ª edição – Julho 2016

Número de páginas: 448

Tradução (do inglês): Miguel Freitas da Costa

Revisão: Carlos Pinheiro

 

A história de “O Silêncio do Mar” é contada em dois tempos: o presente, que começa quando um iate de luxo chega à marina de Reiquiavique sem que haja a bordo uma única pessoa, e o passado, que vai revelando o que se passou a bordo desse iate desde que saiu de Lisboa com destino à Islândia.

Mais uma vez, cabe à advogada Thóra Gudmundsdóttir tentar deslindar a razão do desaparecimento dos sete ocupantes do iate, entre eles um casal e as suas duas filhas gémeas de quatro anos. Com um toque macabro, nesta história as mortes vão sendo descobertas a ritmo de conta-gotas, tanto no passado como no presente, e o espectro do sobrenatural paira constantemente sobre os acontecimentos narrados a bordo do iate. Há um tom de tristeza generalizada em todo o livro, e se por um lado as revelações finais vêm iluminar a situação com uma dose generosa de realidade, por outro lado confirma-se a irreversibilidade de circunstâncias desde o início suspeitadas.

Apesar de ter gostado de “O Silêncio do Mar” – o primeiro livro que eu li desta escritora – não senti que fosse terrivelmente empolgante. Talvez tenha sido o tal ambiente de tristeza que perpassa por toda a história, ou talvez o facto de por vezes a acção parecer arrastar-se mais do que o esperado. Mas achei o enredo original, e bem conseguida a forma de explicar no final o encadeamento das situações.

 

No entanto, é sobretudo por causa de “Cinza e Poeira” que Yrsa Sigurdardóttir faz agora parte do grupo de autores de histórias policiais que quero continuar a ler.

 

Interessante também é a revelação da escritora, numa entrevista que deu ao Público em Junho de 2011, de que a paisagem onde se vai desenrolar a história é o primeiro elemento que decide quando começa a escrever um livro.

“(…) normalmente escolho a paisagem antes de ter a história. É a paisagem que me inspira o tipo de crime, por exemplo, ou qual o acontecimento que ali vai decorrer. É quase como se eu imaginasse a história como um filme cujo guião foi escrito de propósito para aquele cenário, que é tão ou mais importante do que aquilo que lá se passa.

 

 

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Produzida pela BBC Scotland, os primeiros episódios de “Shetland” foram exibidos em 2013, mas só agora é que estamos a ter oportunidade de ver em Portugal as três (curtas) temporadas desta série, mais especificamente no canal Fox Crime.

E acreditem que vale a pena ver! A produção é excelente (ou não fosse da BBC…), a realização não fica atrás, os actores convencem-nos (alguns deles, sobretudo os convidados especiais, são conhecidos do cinema e de outras séries), e a cinematografia é magnífica. Esqueçam as cenas de pancadaria a cada cinco minutos, as personagens femininas que resolvem casos em cima de saltos de 15 cm e trabalham 20 horas por dia sem nunca terem olheiras ou um cabelo fora do sítio, os décors arrumadinhos e tão limpos que até se pode comer no chão. Aqui tudo tem um ar real: as roupas amarrotam-se, as unhas sujam-se, e as personagens têm (pelo menos alguma) vida pessoal. Sim, às vezes também há tiros e correrias, e há cenas macabras, e os investigadores têm uma capacidade de trabalho inextinguível e por vezes o dom da ubiquidade. Mas são completamente credíveis, têm sotaque (e que sotaque!), têm barriga, cabelos brancos, barbas por fazer.

Depois há o cenário. O fantástico e peculiar cenário das ilhas Shetland e da Escócia: ventoso, cinzento, sem árvores, mas com uma beleza de cortar a respiração. Há muitas cenas filmadas a partir de longe ou em perspectiva aérea, e a banda sonora está em sintonia com o ambiente.

Embora as personagens principais se mantenham em todos os episódios, cada caso tem um enredo diferente dos outros o suficiente para não enjoar, e os níveis de mistério e de revelações estão bem doseados ao longo de cada episódio, evitando que o aborrecimento se instale. Os argumentistas fazem também um bom uso da História e das características culturais das Shetland, que são incorporadas na trama de modo a fornecerem-lhe uma boa e credível base de apoio – e mais motivos de interesse. Apesar da produção britânica e de ser baseada nos livros da premiada escritora inglesa Ann Cleeves, o tom geral da série aproxima-se mais dos policiais nórdicos do que dos tradicionais mistérios ingleses “à hora do chá”.

Ficam aqui dois trailers da série, em jeito de aperitivo:

 

 

E pronto. Fazendo um balanço da minha semana gripal, posso dizer que não foi um desperdício completo: uma leitura que me entusiasmou (Cinza e Poeira), uma série de que fiquei fã (Shetland), e mais uma escritora (Ann Cleeves) a descobrir num futuro próximo. Os meus genes de traça e de viajante estão definitivamente apaixonados pelas ilhas do Norte.

 

 

O Gerente da Noite

por Ana CB, em 03.10.16

 

Já aqui falei por alto de cinema e da relação estreita entre livros e filmes, mas hoje vou falar de televisão. Mais concretamente, de séries televisivas.

 

Longe vai o tempo em que as séries que víamos na televisão eram os parentes pobres do cinema. Cá em Portugal quase se resumiam a séries policiais americanas e a uma ou outra produção inglesa ou eventualmente com outro país de origem (não estou obviamente a incluir as sitcoms, que sempre abundaram). Tinham em comum o facto de serem habitualmente interpretadas por actores e actrizes pouco ou nada conhecidos no mundo cinematográfico – eram assim como que um laboratório para novos actores, e para quem é mais jovem ou tem memória curta deixem-me dar-vos alguns exemplos de que me lembro assim de repente: Anthony Hopkins foi o Pedro de “Guerra e Paz”, na adaptação que a BBC fez em 1972 da obra de Lev Tolstoi; Meryl Streep e James Woods fizeram par romântico na mini-série “Holocausto” exibida em 1978 pela NBC; Jeremy Irons foi um dos protagonistas de “Reviver o passado em Brideshead”, uma série de 1981 produzida pela Granada Television com base no romance de Evelyn Waugh. Estas e outras séries foram a rampa de lançamento para grandes actores do cinema actual.

 

No entanto, apesar da sua inegável qualidade – sobretudo das séries britânicas, que foram e continuam a ser do melhor que por aí anda – as séries televisivas só há relativamente poucos anos adquiriram um estatuto autónomo de produto com interesse e qualidade no qual vale a pena apostar, com retorno garantido. Os bons resultados estão à vista, com produções milionárias e ao nível do melhor cinema, dirigidas por excelentes realizadores e protagonizadas por actores famosos – ao imporem-se como produto independente e valorizado, as séries televisivas conseguiram esbater a fronteira rígida que subsistiu durante muito tempo entre actores de televisão e actores de cinema (que curiosamente nunca existiu entre cinema e teatro, talvez por ambas as artes estarem associadas a uma ideia de qualidade e elitismo que a televisão nunca teve). E quem ficou a ganhar fomos nós, o público.

 

As séries britânicas sempre foram das minhas favoritas. Não há quem lhes chegue aos calcanhares sobretudo no que toca a recriar épocas passadas e romances históricos, e os actores e actrizes oriundos das ilhas britânicas (e para quem tiver dúvidas, as ilhas britânicas incluem a Irlanda) são dos melhores do mundo. Tão bons que conseguem imitar perfeitamente o sotaque norte-americano e por vezes nem nos damos conta de que não foram realmente nados e criados nos Estados Unidos. Dúvidas? Então aqui vão alguns nomes ao acaso: Audrey Hepburn, Michael Caine, Kate Winslet, Idris Elba, Ralph Fiennes, Keira Knightley, Ewan McGregor, Catherine Zeta-Jones, Hugo Weaving, Sam Neill, Vanessa Redgrave, Gerard Butler, Kiefer Sutherland, Orlando Bloom, Rachel Weisz, Christian Bale, Jude Law, Carey Mulligan, John Hurt, Jason Statham, Rosamund Pike, Tim Roth, Julie Christie, Christopher Lee, Damian Lewis, Joan Collins, Gary Oldman, Ian McKellen, Kate Beckinsale, Colin Farrell. E estes são só alguns dos que mais associamos ao cinema americano, porque a lista é quase infindável.

 

Bom, mas vem isto tudo a propósito de quê?

 

É que fiquei apaixonada por uma mini-série de que já tinha ouvido falar bastante mas só agora tive oportunidade de ver (no canal AMC): “O Gerente da Noite”, a partir do livro homónimo de John Le Carré. São apenas seis episódios, mas muito intensos, bem realizados, bem produzidos, e sobretudo muito bem interpretados.

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John Le Carré, cujo verdadeiro nome é David John Moore Cornwell, trabalhou durante alguns anos no MI6 (o serviço britânico de “informações”) e os seus primeiros livros giram à volta da espionagem no tempo da Guerra Fria, tendo a temática mudado depois para os conflitos religiosos e/ou éticos mas sempre com a espionagem como pano de fundo. Vários deles foram adaptados ao cinema, com mais ou menos sucesso, como “A Casa da Rússia”, “O Alfaiate do Panamá” ou “O Fiel Jardineiro”, entre outros. Os seus livros têm em comum enredos intrincados, personagens profundamente humanas e conflitos morais, mas a linha entre o bem e o mal está sempre nitidamente definida.

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A história de “O Gerente da Noite” centra-se em Jonathan Price, um gerente de hotel que se vê inadvertidamente recrutado para se infiltrar na entourage de um poderoso negociante de armas que os serviços secretos britânico e americano querem apanhar. Roper é um homem ganancioso e sem escrúpulos que esconde habilmente as suas actividades ilícitas atrás de uma capa de filantropia e de uma vida privada inexpugnável. Empurrado pelos serviços britânicos de espionagem e por uma vontade pessoal de vingança – o assassinato de uma mulher com quem tinha tido um breve relacionamento – Price vai construir para si um passado violento e sujeitar-se a tudo para penetrar no mundo privado de Roper e tentar obter provas da sua má conduta.

 

O argumento da série tem diferenças substanciais em relação ao livro, mas o resultado final é muitíssimo bom. Uma das maiores alterações é o facto de o agente que convence Price a aproximar-se de Roper ser na série uma mulher (Angela Burr), e não um homem como no livro (Leonard Burr). Mais ainda, Angela Burr está grávida (devido à própria e muito visível gravidez da actriz Olivia Colman), o que dá à personagem e consequentemente à história uma dimensão mais humana e real. Além disso, a acção foi transportada para a actualidade, com o cartel colombiano de droga do livro a ser substituído por negociantes de origem árabe e um lógico deslocamento geográfico dos eventos. E o final da série é também bastante diferente – mas quanto a isso não vou falar para não ser spoiler.

 

Com tudo isto, já devem ter percebido que a série é de produção maioritariamente britânica (da BBC, em parceria com as americanas AMC e Ink Factory), razão pela qual os actores também são quase todos britânicos, com grande destaque para os protagonistas: Tom Hiddleston (Jonathan Price) e Hugh Laurie (Richard Roper). Para os mais distraídos, Hiddleston é o “Loki” de “Thor” e “Os Vingadores”, e Laurie é nada mais nada menos do que o famoso “Dr. House”. Qual deles o melhor… Hiddleston já provou várias vezes que é bem mais do que uma carinha laroca, e arrisca-se seriamente a ser o próximo Bond – aliás, este seu Jonathan Price tem o factor coolness exacto para um hipotético 007, faltando-lhe apenas uma atitude algo mais blasé e quiçá mais “activa” para ser um alter ego do famoso espião (que tem vindo progressivamente a tornar-se mais “humano” de actor para actor). Quanto a Hugh Laurie, descoberto há uns anos pela América, tem carreira já bem mais longa e firme no Reino Unido. Além de House, por cá vimo-lo sobretudo em comédias, nomeadamente em várias das hilariantes séries “Blackadder”, em “A Bit of Fry and Laurie” (com o também excelente Stephen Fry) e nos filmes “Stuart Little”, mas ele é um artista multifacetado que além do mais canta, toca e tem dado a voz a inúmeras personagens de filmes de animação.

 

“O Gerente da Noite” entusiasmou-me também pelos bem escolhidos cenários da série: Maiorca, Istambul, Cairo, Devon e Zermatt. Embora na realidade as cenas passadas no Cairo e Istambul tenham sido rodadas em Marrocos e as de Zermatt quase todas em estúdio, há belíssimas imagens das cidades e paisagens que são mostradas em separador. Já a mansão de Roper em Pollença (norte de Maiorca) existe realmente; tem o nome de Sa Fortaleza, data do séc. XVII e pertence ao banqueiro inglês Lord James Lupton, sendo a propriedade mais cara de Espanha (foi comprada em 2011 por 40 milhões de euros). As imagens aéreas da zona filmadas para a série são de tirar o fôlego e fazem jus à beleza do lugar.

 

Só o trailer já é qualquer coisa de especial:

 

E já que falo de séries inglesas, deixo aqui a sugestão de algumas das minhas preferidas, para quem ainda não as tiver visto: Sherlock, Luther, Downton Abbey, The Office, The Bletchley Circle, Coupling, Prime Suspect, Two Pints of Lager and a Packet of Crisps, Pride and Prejudice, The Paradise. Há comédia, drama, crime e mistério, história, grandes romances – um pouco de tudo, para todos os gostos. E ao alcance de uns cliques.

 

Dos livros e seus filmes

por Ana CB, em 20.06.15

Não sei se já o disse aqui, mas é raro eu gostar mais de um filme do que do livro que o inspirou. Assim de repente, lembro-me apenas de um: “O Paciente Inglês”, realizado por Anthony Minghella com base no livro de Michael Ondaatje, embora talvez exista mais um ou outro caso. Há alguns filmes de que gostei tanto como dos livros – a saga Harry Potter, por exemplo, ou o excelente filme “Quarto com Vista Sobre a Cidade”, de James Ivory, com as maravilhosas actrizes Maggie Smith e Helena Bonham-Carter (aqui no início da sua carreira), e baseado no também excelente romance de E. M. Forster -, mas de um modo geral acho sempre que os filmes ficam um pouco (quando não muito) aquém dos livros. E é por esta razão que prefiro ver primeiro o filme e só depois ler o livro, pois quando sucede o contrário acabo quase sempre por sair desiludida do cinema (ou do sofá, dependendo das circunstâncias…).

E como um dos meus géneros preferidos de livro é o policial, é óbvio que li religiosamente e de um fôlego a trilogia Millennium do Stieg Larsson, aproveitando uma altura de férias há coisa de uns quatro anos. Li e gostei imenso, e sobre estes três livros acho que não vale a pena dizer mais nada porque já tudo foi dito e escrito. Quem já os leu também sabe do que falo, e a quem não leu aconselho que não espere mais tempo e vá a correr comprá-los, porque foram (são) uma pedrada no charco da literatura policial.

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Como é também óbvio, quando em 2012 estreou em Portugal o filme de David Fincher que recria a história do primeiro livro, “Os Homens que Odeiam as Mulheres”, fiz questão de ir vê-lo ao cinema. Não sendo tão empolgante quanto o livro, ainda assim o filme agradou-me mais do que estava à espera, apesar de ter do princípio ao fim os clichés normais dos filmes americanos que vemos constantemente. Mas conta com boas interpretações de grandes actores, está bem realizado, e não se afasta demasiado do livro, apesar de lhe faltar alguma profundidade. No todo, achei-o uma adaptação razoável.

Antes, em 2009, já tinha sido exibido nas salas de cinema portuguesas o filme sueco com base no mesmo livro, em relação ao qual os críticos se dividiram e que um colega meu me desaconselhou, por não ter gostado dele. Por essa razão ou por qualquer outra, a verdade é que na altura não fui vê-lo.

Sucede no entanto que há uns dias atrás passaram, no Fox Movies da televisão por cabo e todos de seguida, os três filmes suecos feitos precisamente a partir das histórias da trilogia. Claro que ao tê-los assim à disposição todos juntos, a minha curiosidade falou mais alto e não resisti à tentação.

E não é que tive uma agradável surpresa? Quando comecei a ver o primeiro ainda estava meio desconfiada, à espera de me aborrecer e desistir de ver até ao fim, mas a verdade é que não podia estar mais enganada: gostei imenso do filme, tanto que acabei por ver também os outros dois, e tudo praticamente de uma assentada.

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Para falar com franqueza, gostei bastante mais do filme sueco do que do seu congénere americano. A diferença está não tanto na adaptação do argumento, já que ambos são suficientemente fiéis ao original (o sueco talvez um pouco mais do que o americano), mas sobretudo na atmosfera que nos é transmitida. É um filme mais “real”, em todos os sentidos. As personagens são credíveis, são homens e mulheres de verdade, com rugas, barriga e poros dilatados. Os diálogos poderiam ser verdadeiros, ditos por alguém como eu ou vocês, os cenários estão cheios de pormenores comuns a qualquer ambiente onde vivem pessoas vulgares, e as cenas de violência ou de acção têm a dose certa de verosimilhança, sem caírem no exagero. A personagem feminina principal, Lisbeth Salander, está brilhantemente interpretada por Noomi Rapace, que consegue transmitir-nos ao mesmo tempo a ideia de força e vulnerabilidade que Stieg Larsson atribuiu à heroína dos seus livros. Quanto a Michael Nyqvist, que interpreta o papel do jornalista Mikael Blomkvist (uma espécie de alter ego do próprio Stieg Larsson), tem uma actuação quanto a mim talvez demasiado contida – mas a verdade é que os suecos são, pelo menos em muitos dos seus filmes, de uma maneira geral algo inexpressivos.

Os dois filmes da sequela, “A Rapariga que Sonhava com uma Lata de Gasolina e um Fósforo” e “A Rainha no Palácio das Correntes de Ar”, têm realizador e características ligeiramente diferentes do primeiro. Os três filmes foram lançados no mesmo ano, e por isso existe alguma unidade entre eles, mas no segundo e terceiro nota-se uma acentuada vocação para serem telefilmes, enquanto o primeiro está nitidamente feito para exibição numa sala de cinema. Mesmo assim, não desapontam. Tirando um ou outro pormenor mais teatral e a óbvia dificuldade de condensar em cerca de duas horas e meia livros de 600 ou 700 páginas, são também bastante fiéis à história original e o nível das interpretações mantém-se.

Dito isto, não vou cair no exagero de dizer que os filmes são tão bons quanto os livros. Mas andam lá perto. Talvez seja porque já li os livros há uns anos e obviamente não me recordo de todos os pormenores, ou talvez porque tal como a sua literatura, o cinema nórdico deu o salto para o século XXI, actualizando-se sem perder as suas características de qualidade (veja-se o exemplo da série dinamarquesa de sucesso “The Killing”, e não só). O que sei é que me surpreenderam pela positiva, e dei por bem empregue o meu tempo.

Por isso, se puderem, vão procurar os filmes no guia da tv por cabo de sábado passado (ou no videoclube) e preparem-se para várias horas de bom cinema. Tenho a certeza de que não vão arrepender-se; afinal, um bom livro é meio caminho andado para um bom filme.

Depois não digam que não vos avisei.

 

(se quiserem saber mais sobre os filmes, é só seguirem este link: http://foxmovies.canais-fox.pt/artigos/especial-trilogia-millennium-1)