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Gene de traça

Livros e etc.

Por que não concordo com o acordo ortográfico

por Ana CB, em 29.09.22

Uns gritam e insultam, outros defendem a sua dama com unhas e dentes. Outros ainda optam por se deixarem ir com a maré. Já se gastou mais tinta e dinheiro com o novo acordo ortográfico do que o orçamento atribuído anualmente a muitas juntas de freguesia.

 

A classe governativa portuguesa (e não estou aqui a pontar o dedo a este ou àquele partido) enferma de há uns bons anos para cá de um complexo de pequenez em relação aos países estrangeiros que me irrita profundamente e me preocupa. Aparentemente defendendo que “o que é português é bom”, embarca em iniciativas que são tudo menos benéficas para o nosso país e a nossa identidade cultural específica – na maioria das vezes, iniciativas essas que são dispendiosas, supérfluas e discutíveis. Em detrimento, para nosso mal, de outras decisões em áreas bem mais importantes para o nosso país e quem o habita, decisões de fundo que deveriam ser bem estruturadas, adoptadas e avaliadas até se atingirem os objectivos propostos. E que não o são.

 

O novo acordo ortográfico é para mim um destes casos. Em vez de se implementarem e incentivarem – mas incentivarem a sério, não em modo faz-de-conta como se tem feito – programas de ensino de bom português (e não, meus amigos, não me refiro ao ensino teórico da gramática e afins, que actualmente atinge as raias do ridículo, de tão complicado que é) e de se estimular o gosto pela leitura e o seu consumo em doses industriais (porque só lendo muito e bom português se aprende bem a escrever e a usar a língua), decidiram as nossas cabeças pensantes aqui há uns anos embarcar nesta aventura que ainda nada nos trouxe de verdadeiramente positivo, e provavelmente nunca trará.

 

Como podem ver desde o início na coluna lateral deste meu blog, eu não estou de acordo com o acordo ortográfico. Nem com este, nem com nenhum. E vou explicar aqui porquê:

 

1 – Porque não faz falta um acordo ortográfico. Já são muitos os países que têm o português como língua oficial? São. São muitas as pessoas que o falam e escrevem? São. É preciso arranjar uma forma de unificar a nossa língua, para não andarmos a escrever cada um de sua maneira? Não. E se duvidam, olhem para o inglês. Querem língua mais falada, escrita, usada e arranhada do que o inglês? Querem língua mais viva, flexível e constantemente em evolução do que o inglês? Não me parece que encontrem com facilidade. Na língua inglesa também existe o inglês britânico e o inglês americano (e ainda o canadiano, o australiano, e etc., embora aqui as diferenças sejam mais a nível de vocabulário e pronúncia). E andam os países todos em que o inglês é língua oficial a entrar em acordos ortográficos e preocupados com a possibilidade de a língua morrer ou não evoluir? Não. Então porque é que nós temos obrigatoriamente de o fazer? Com ou sem acordos ortográficos, as diferenças vão sempre existir entre os vários países onde se fala português – mesmo que não na escrita, pelo menos ao nível do vocabulário e da pronúncia. Não é por termos um acordo ortográfico que os brasileiros vão entender-nos melhor quando falamos, ou que angolanos ou são-tomenses vão passar a consumir mais televisão portuguesa do que brasileira. Não é um acordo ortográfico que nos vai escancarar magicamente as portas do consumo de produtos editoriais portugueses no Brasil, na Guiné ou em Moçambique. O dinheiro que se tem gasto a implementar o novo acordo ortográfico teria sido bem mais utilizado a apoiar (muito mais) a internacionalização da nossa língua e dos nossos escritores – isto só para dar um exemplo.

 

2 – Porque é disparatado estar a implementar um acordo ortográfico que ainda não foi oficialmente adoptado (e se calhar nunca vai ser) por vários dos países de língua oficial portuguesa. Haverá realmente algum interesse prático em mexer tanto na nossa língua aqui em Portugal, quando na realidade os outros países que supostamente também aderiram não parecem estar assim tão empenhados quanto nós?

 

3 – Porque a verdade é que, digam o que disserem, foi o português de Portugal que saiu mais afectado deste acordo. Mas afinal, qual é o país de origem do português? O nosso, ou outro qualquer? Se tem de haver uma aproximação, não seria mais lógico que fosse em maior percentagem ao nosso português, que à partida estará menos “modificado” em relação à língua original? É claro que todas as línguas vão evoluindo ao longo dos tempos, e o português deveria ser realmente mais flexível sobretudo no que diz respeito às palavras novas que surgem como resultado da evolução tecnológica e científica. Mas isso não justifica que agora o português de Portugal passe a adquirir um papel secundário em relação ao português que se fala noutros países.

 

4 – Porque se é verdade que algumas (muito poucas) alterações introduzidas pelo novo acordo terão alguma razão de ser do ponto de vista linguístico e na realidade até nem chateiam quase ninguém, mais verdade é que a grande maioria não tem qualquer justificação decente. Se a ideia é adaptar a grafia à pronúncia, então vamos escrever tudo tal como pronunciamos? Neste caso passaríamos a ter em inúmeras palavras não dupla grafia, como já acontece, mas tripla ou quádrupla – há palavras que têm várias formas de pronúncia, consoante o país. Além disso, seguindo este raciocínio muito mais seria necessário mexer na nossa escrita, pois não faria sentido alterar umas palavras para se escreverem como se pronunciam e não alterar outras. Sem entrar em grandes pormenores, facilmente se compreende que, por exemplo, o pobre “h” iria quase desaparecer da nossa escrita…

 

5 – Porque este acordo ortográfico não tem pés nem cabeça. É verdade que se tem lido por aí muita barbaridade em relação a supostas alterações que na realidade não estão previstas, e à conta disto muita asneira se tem escrito. Mas mesmo descontando estes exageros, digam-me lá como é que eu distingo “pára” de “para”? Pior ainda: como é que uma criança pequena que está a aprender a ler vai distinguir uma palavra da outra, uma vez que ainda não tem “bagagem” linguística suficiente que lhe permita fazer intuitivamente essa destrinça em qualquer texto? Se até para mim não é óbvio logo à primeira vista… E como é que ela vai distinguir facilmente “acto” de “ato”? E terá lógica eu escrever “Egito” quando falo do país, mas “egípcios” se falo dos seus habitantes?

 

Dito isto, eu gostava que alguém conseguisse explicar-me – mas explicar mesmo, com argumentos perceptíveis e verdadeiros – o porquê deste acordo e a lógica subjacente a tantas e tão disparatadas alterações. Talvez então eu conseguisse finalmente concordar com o acordo. Até lá, não contem comigo.

Parem de assassinar a língua portuguesa #3

por Ana CB, em 12.07.17

 

A última moda em atentados à nossa língua parece ser usar “tive” em vez de “estive”.

Eu sei que a língua falada tem diferenças em relação à língua escrita. Quem nunca disse “tá bem” ou “tou que nem posso”? Nem sempre falamos como escrevemos – e isto é comum em muitas línguas. Portanto não é, em si, problemático.

Ou não deveria ser.

Mas, meus amigos, “tive” é a 1ª pessoa do singular do pretérito perfeito do verbo “ter”, não do verbo “estar”:

Eu tive um jantar na casa de uns amigos.

Eu estive a jantar em casa de uns amigos

Dá para perceber a diferença, certo?

Dizer “tive” em vez de “estive” já não é grande coisa. Mas o facto de se poderem tolerar certas liberdades quando falamos não quer dizer que elas sejam aceitáveis quando escrevemos.

E não, dizer/escrever “tive no Algarve” não é in, nem jovem, nem fashion, nem nada – é simplesmente errado. Deixem-se disso!

 

Em prol da língua portuguesa - Certas Palavras

por Ana CB, em 15.04.16

 

Em dia de Follow Friday, quero aproveitar para vos dizer que estou completamente fã deste blogue:

 

blog CERTAS PALAVRAS.jpg

 

Podem encontrá-lo em http://www.certaspalavras.net.

São crónicas onde se fala sobre a língua portuguesa, à mistura com outros temas interessantes. E a escrita… a escrita é um encanto, fluida, ágil, com aquele tom certo entre o pessoal e o formativo, com humor q.b. e uma ponta de indignação quando é necessário.

Por coincidência o seu autor, Marco Neves, vai agora lançar um livro (de não-ficção) – e eu vou comprar.

Espreitem o blogue e depois digam lá se eu não tenho razão.

 

Mais sobre o novo acordo ortográfico

por Ana CB, em 15.05.15

Depois da minha opinião, aqui fica a contribuição do Ricardo Araújo Pereira para o aceso debate sobre o acordo ortográfico. Diz o essencial, com muito humor - e humor inteligente, note-se. Muito bom!

 

 

Por favor parem de assassinar a língua portuguesa #2

por Ana CB, em 17.11.14

Quem escolheu a escrita como profissão (escritores, jornalistas, publicitários), quem ensina a língua portuguesa (professores, formadores, educadores) e quem a utiliza como ferramenta de trabalho primordial e chega ao grande público (tradutores, revisores de textos, advogados, juízes, legisladores, políticos, locutores de rádio e televisão, etc., etc.) tem como dever maior o de tratar bem a nossa língua – com ou sem sotaque, com ou sem acordo ortográfico. Porque são estas as pessoas que são ouvidas e lidas pela restante população falante, e é por elas que a grande maioria das pessoas se vai reger ao falar no dia-a-dia, são elas que vão ensinar miúdos e graúdos a falar e a escrever.

São pessoas com responsabilidades acrescidas no que toca à (boa) utilização do português.

A acrescer a isto, hoje em dia não precisamos de enfiar o nariz num compêndio de cada vez que temos uma dúvida sobre a nossa língua, nem de perder horas para a esclarecer. Está praticamente tudo à distância de poucos cliques no botão do rato, graças à Internet – e embora nem tudo seja completamente fiável, há muita e boa informação ao nosso dispor, de acesso fácil e rápido.

Então porque é que será que cada vez mais se lê e se ouve mau português? Eu sei que muitos dos erros que encontramos nos livros e outros textos são gralhas dactilográficas, erros de simpatia, e etc. Também sei que, por uma questão de estilo de escrita, por vezes se opta por uma construção frásica menos correcta ou se cometem erros intencionais, ou usam expressões ou palavras de uma forma mais “livre”. Mas quando certas manias começam a ser constantes, recorrentes, e se entranham de tal maneira na língua que acabam por ser usadas e repetidas por toda a gente como se de bom português se tratasse, e ainda por cima passam a ser, se não aceites, pelo menos bem toleradas até pelos académicos mais competentes… então temos o caso mesmo muito mal parado.

Vem isto a propósito de ter lido há poucos dias, no blog de uma escritora portuguesa famosa, a expressão “tenho a certeza que”. E de ouvir e ler constantemente coisas como “aquilo que gostamos”, “são coisas que gosto”, e outras no género.

Eu sei que dizer “tenho a certeza de que” nos obriga a dobrar mais um bocadinho a língua e dá mais trabalho a pronunciar. Também sei que é mais fácil e rápido omitir o “de” em “aquilo de que gostamos” e “são coisas de que gosto”. E esta “eliminação” sistemática da preposição “de” já se tornou tão comum que ninguém liga, e até os estudiosos do português passaram recentemente a aceitar este fenómeno (e outros) como fazendo parte da evolução normal da língua, sendo portanto tolerável.

Mas a mim continua a ofender-me os ouvidos. Chamem-me intolerante, purista, exagerada, o que quiserem, mas continuo a sentir-me incomodada quando ouço estes “arranhões” na língua portuguesa. Que são cada vez mais e mais frequentes, a ponto de já quase não se ouvirem nem lerem as expressões correctas.

E isto é apenas a ponta do icebergue.

Para quem não conhece, sugiro que visitem o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, o site onde podemos esclarecer todas as nossas dúvidas sobre o português – além de ler muitos e variados artigos de interesse sobre a nossa língua. E se têm dúvidas sobre o que escrevi acima, aqui estão os links para duas respostas que foram dadas a esse respeito:

http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=30503

http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=30113

Será que escrever e falar bem o português é assim tão mais difícil do que fazê-lo mal? Ou será só uma questão de desinteresse e preguiça?

Por favor parem de assassinar a língua portuguesa #1

por Ana CB, em 17.10.14

Sejam ou não seguidores do novo acordo ortográfico, por favor (por favor!!!) parem de escrever "à" em vez de "há".

É "há dias", não "à dias".

É "há coisa de", não "à coisa de".

É "há muito tempo", não "à muito tempo".

É "há muitas novidades", não "à muitas novidades".

É o verbo "haver", e na 3ª pessoa do singular escreve-se "há". Será assim tão difícil de memorizar?