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Gene de traça

Livros e etc.

Há sempre um livro desconhecido à espera de nós #4

por Ana CB, em 24.02.16

Se um romance histórico é bom, um romance histórico baseado em factos verídicos ainda é melhor. A somar a isto, a autora é filha da protagonista do livro e a história divide-se entre a Turquia, o Líbano, a Índia e Paris. Que mais se pode querer?

 

“DA PARTE DA PRINCESA MORTA” de Kenizé Mourad

da parte da princesa morta.jpg

 

 

Título: Da parte da princesa morta

Título original: De la part de la princesse morte

Autor: Kenizé Mourad

Ano de lançamento: 1987

 

Editora: Círculo de Leitores

Publicação: Dezembro 1999

Número de páginas: 592

Tradução: Maria Bragança

 

 

Sinopse

 

Esta história tem início em 1918 na corte do último sultão do Império Otomano. Selma tem sete anos quando vê desmoronar-se esse Império que fez tremer toda a Europa. Condenada ao exílio, a família imperial instala-se no Líbano. Selma, que perdeu ao mesmo tempo o seu pai e o seu país, crescerá em Beirute e aí encontrará o seu primeiro amor. Mais tarde, aceitará casar com um rajá indiano que nunca vira. Levada para a Índia, conhecerá o fausto dos marajás, os últimos dias do império britânico e a luta pela independência travada por Gandhi. Mas lá, como no Líbano, será sempre “a estrangeira”. Rejeitada pelo povo que começara a amar, foge para Paris, onde encontrará finalmente um verdadeiro amor. A guerra no entanto separa-os, e Selma morrerá na miséria, com 29 anos, depois de ter dado à luz uma filha: precisamente a autora deste livro.

(sinopse publicada aqui)

  

 

A minha opinião

 

Para compreender verdadeiramente todo o interesse deste livro há que conhecer um pouco da história da sua autora. Kenizé Mourad, de seu nome original Kenizé de Kotwara, nasceu em 1940 em Paris. A mãe era uma princesa turca da dinastia otomana, neta do sultão Mourad V, que casou com um rajá indiano e mais tarde se refugiou em Paris. Órfã de mãe antes de ter um ano de idade, Kenizé foi criada num ambiente ocidental católico, mas a busca das suas origens levou-a ainda jovem a tentar conhecer melhor o Islão e os seus valores e a viajar até à Índia e Paquistão. Jornalista, correspondente de guerra no Médio Oriente e em África, decidiu um dia escrever a história da sua família e para isso pesquisou longamente o percurso de vida da sua mãe. Resultou daí este livro e mais tarde, em 1998, um outro com o título “Um Jardim em Badalpur”.

 

Adorei este livro, que me manteve agarrada da primeira à última página. O facto de ser baseado numa história verdadeira, embora obviamente romanceada, mostra que a vida por vezes não fica a dever nada à ficção. O período de vinte e poucos anos em que a acção decorre foi uma época especialmente conturbada do séc. XX, uma época de grandes mudanças nos planos político e social, fértil em acontecimentos violentos e convulsões político-geográficas, e ao mesmo tempo de abertura das sociedades e avanços no que toca à igualdade entre as pessoas. Além disso, fala-nos de questões que nós, europeus ocidentais, desconhecemos quase completamente, por serem específicas de determinadas sociedades orientais com cujos hábitos e história não estamos familiarizados.

 

Selma, a protagonista da história e mãe da autora, é uma rapariga/mulher dividida entre a tradição e a evolução, espartilhada por uma educação e uma sociedade em que as mulheres não são cidadãs de pleno direito e as distinções de classe falam mais alto do que a justiça, mas dotada de uma personalidade forte e um bom senso que a levam a rebelar-se contra um determinado status quo, e a procurar a sua própria forma de vida.

 

E depois há as descrições dos ambientes, dos cenários, dos costumes e rituais. Tudo narrado com profusão de pormenores e grande sensibilidade, com cenários e diálogos que sendo em grande parte ficcionados, espelham na perfeição o espírito de uma época.

 

Este livro é uma grande e bonita lição de história e de amor. Amor à vida, mesmo com todas as suas vicissitudes. E amor por uma mãe desconhecida, que milagrosamente adquire vida nas suas páginas e nos leva numa viagem à descoberta de um mundo que já desapareceu.