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Gene de traça

Livros e etc.

Preâmbulo para um desafio

por Ana CB, em 27.07.15

 

À meia dúzia de pessoas que de vez em quando lê o que aqui escrevo, eu me confesso: sou uma ladra.

Pior ainda: devia ter vergonha, e não tenho. Assumo publicamente esta minha fraqueza, a adicionar àquela que já conhecem e que é o facto de ser livrólica. Neste caso, uma coisa juntou-se à outra, e não consegui resistir à tentação.

Então passo a explicar. Aqui há tempos, a Magda e a M* conluiaram-se para lançarem a elas próprias o desafio de durante 45 dias publicarem, uma vez por dia, um post sobre livros, cada dia tendo um tema diferente. Claro que as segui tão religiosamente quanto possível, e convido-vos a irem lá espreitar as valiosas e sempre inspiradas opiniões destas duas navegantes do incomensurável mundo dos livros e da escrita. Foi um desafio de fôlego, que elas cumpriram heroicamente, e por isso estão de parabéns.

Quis o acaso que recentemente eu aproveitasse uns dias de férias para tentar resolver o problema do grave estado da minha biblioteca/escritório, onde ainda subsistiam vários caixotes por esvaziar, sobras da minha já não tão recente mudança de casa (dois anos e meio já é mais que tempo para ter tudo em ordem… mas ainda não tenho), e em cujas estantes os livros começavam a transbordar por causa da falta de espaço. Estantes novas compradas, foi na hora de reorganizar algumas prateleiras (tenho os livros mais ou menos agrupados por categoria) que me ocorreu, inspirada pelo exemplo das duas supracitadas meninas, desafiar-me a mim própria a fazer qualquer coisa que me levasse a revisitar alguns dos meus livros mais antigos e ao mesmo tempo tivesse alguma utilidade para quem lê. Mais ainda, que me obrigasse a escrever neste meu blog com mais frequência (a minha inconstância não tem a ver com falta de vontade nem de ideias, mas sim apenas de tempo, pior ainda porque me desdobro pelos meus outros dois blogues - o de escrita e o de viagens - e não quero abandonar nenhum deles).

E surgiu-me então esta ideia: há sempre um livro desconhecido à espera de nós. Um livro de que nunca ouvimos falar, que provavelmente não foi um best-seller, que é de um autor pouco conhecido, ou que é de um autor muito conhecido mas já “fora de moda”; um livro que não teve reedições ou não foi “entronizado” pelos críticos, mas que mesmo assim é um livro que adorei ler, que já reli, que está na lista dos meus preferidos, e que se calhar também outras pessoas gostariam de ler… se soubessem que ele existe.

Está então aqui lançado o desafio – a mim, e a quem quiser aqui dar a sua opinião. Nos próximos tempos vou tentar falar-vos, com alguma regularidade (sem promessas, porque não gosto de prometer o que não sei se vou conseguir cumprir), de alguns destes livros que têm lugar cativo na minha biblioteca e no meu coração. Para vos aguçar o apetite. Porque há muita leitura para lá dos clássicos e dos escritores “mainstream”. E porque há imensos livros que merecem uma segunda vida.

 

Uma ESTANTE em formato de revista

por Ana CB, em 21.07.14

 

Comprei há dias o n.º 2 da ESTANTE. Para quem ainda não conhece, a ESTANTE é uma revista publicada e lançada recentemente pela FNAC que, como não podia deixar de ser, fala de livros e do universo que os rodeia. Num panorama tão pobre em revistas deste género (falo de quantidade, não de qualidade), um novo projecto editorial deste tipo é sempre de saudar.

 

O primeiro número saiu em Abril e foi distribuído gratuitamente. Este segundo número (é uma revista trimestral) é vendido ao preço quase simbólico de 1,5 €, sendo que para quem tem cartão FNAC este valor é acumulado na totalidade no cartão. Nada mau como estratégia de marketing… Além disso, a revista está também online em www.revistaestante.fnac.pt.

 

É uma revista que cheira a livros: impressa em papel creme, pesado e sem brilho (reciclado, provavelmente), com um formato bastante portátil, ligeiramente mais pequeno do que o A4, e com 64 páginas, das quais apenas meia dúzia é publicidade. Tem uma tiragem de 20.000 exemplares, por isso mesmo que sejam todos vendidos parece-me difícil que este projecto dê lucro – o que abona ainda mais a favor desta iniciativa.

 

O editorial deste número 2 é assinado por Rui Zink que defende, entre outras coisas, que “ler torna o mundo melhor” – e se não houvesse outras razões, só por isto para mim já teria valido a pena comprar a revista. É ele também o protagonista da página “Alter Ego”, onde coloca perguntas e dá as respostas, sempre naquele tom irónico que já se tornou a sua imagem de marca. Gosto do Rui Zink. Tem uma forma de falar e escrever que é ao mesmo tempo incisiva e descontraída, altamente crítica e bem-humorada. Uma boa escolha, a lembrar-me de que tenho de ler mais coisas dele.

 

A revista está dividida em três grandes blocos: vírgula, parênteses e reticências. O primeiro bloco é assim uma espécie de jornal do mundo livreiro, onde se fala de lançamentos, efemérides e acontecimentos. Nos parênteses há artigos e entrevistas de fôlego, e as reticências englobam apontamentos vários e mais ou menos extensos sobre vários tipos de livros, livrarias, editores, escritores e tendências.

 

Do que é que mais gostei? Em primeiro lugar, do tema de capa, a literatura de viagens, porque às vezes, e muitas vezes, “a melhor ou a única maneira de viajar é mesmo com um livro”. Apaixonada por viagens como sou, este artigo tinha mesmo de me agradar. O texto está dividido pelos cinco continentes, à mistura com uma história breve sobre este tipo de literatura, e são evocados autores e livros de referência escritos sobre cada uma destas regiões do planeta, alguns já bem meus conhecidos, outros nem tanto assim. De onde resultaram mais uns quantos títulos acrescentados à minha longa lista de livros a ler (e também a oferecer) num futuro próximo.

 

Outro artigo que li com particular prazer tem como tema a literatura policial, mais propriamente a “comparação” entre os livros policiais nórdicos e os clássicos. Obviamente, é uma comparação entre estilos e características, sem qualquer intenção de classificar uns como melhores ou piores do que os outros, mas chamou-me a atenção para um aspecto do qual eu ainda não tinha tomado realmente consciência: enquanto que a trama de um policial clássico gira habitualmente à volta do crime e de quem o poderá ter cometido, nos livros policiais nórdicos as questões e motivações sociais e psicológicas (e às vezes até económicas) são um pano de fundo tão importante como o crime em si, e às vezes mais ainda.

 

Depois há ainda duas páginas com um roteiro de 10 livrarias (algumas já famosas, outras nem por isso) emblemáticas e únicas no seu género em todo o mundo, onde como é óbvio não podia faltar a “nossa” Lello, um outro artigo sobre banda desenhada onde se fala de Batman e outros super-heróis com problemas existenciais, e uma página – a última antes da capa – dedicada a artigos de papelaria, que o meu lado-traça ficou imediatamente cheio de vontade de comprar.

 

A impressão com que fico é que na ESTANTE tentam conjugar o melhor de dois mundos: temas variados e de fácil leitura para a maioria do público, e uma evidente preocupação com a qualidade do conteúdo (a par com a divulgação daquilo que a própria FNAC vende, como não podia deixar de ser). Uma tentativa de nivelar por cima sem cair no excesso de “intelectualidade”. Neste segundo número o objectivo parece-me ter sido conseguido, nos próximos logo veremos. Se continuarem assim, ganharam uma leitora.