Gene de traça
Digo muitas vezes que devo ter um gene de traça, porque adoro papel. As árvores que me desculpem, mas esta é a verdade: adoro o papel em todas as suas texturas e cores, adoro o cheiro do papel, mexer em papel, fazer embrulhos, escrever em papel. Adoro agendas, caderninhos, blocos, e até mesmo post-its. E, obviamente, adoro livros. Em papel.
Claro que o meu amor pelos livros não advém só do facto de eles serem, ainda na sua maioria e por enquanto, impressos em papel. Neste caso, a impressão em papel é a cereja no topo do bolo, porque a paixão pela leitura vem de longe, é uma coisa de sempre.
Não me lembro de mim antes de saber ler, mas talvez isso suceda porque comecei a ler muito cedo. Conta-me a minha mãe que eu era ainda muito pequenina e já prestava atenção às letras e às palavras escritas, percebia que tinham um significado, queria saber o que elas diziam. Consta que massacrava toda a gente para me lerem tudo o que via, fossem nomes de ruas ou anúncios em outdoors. Já cansada de aturar as minhas solicitações constantes (e porque eu era muito tagarela), a minha mãe às vezes despachava-me, dizia-me para eu ir aprender a ler. E eu aprendi assim que pude, teria uns 4 anos e picos, acabadinha de entrar num colégio infantil, e tão rapidamente que no início os meus pais julgavam que eu fingia que lia coisas que tinha decorado – e só quando me puseram um jornal à frente e eu comecei a lê-lo quase sem hesitações é que acreditaram.
A partir daí, ninguém mais me parou. Passei a ler tudo o que me chegava às mãos, fosse de que espécie fosse: revistas, livros, fotonovelas, banda desenhada… tudo servia. A literatura infantil era nessa altura muito mais limitada do que hoje – e ainda estávamos no tempo da censura – mas como felizmente cresci numa família onde os livros eram apreciados, acabei por encontrar sempre alimento para este meu vício, tanto nos que me ofereciam como nos que habitavam as paredes lá de casa.
O vício dura até hoje, e se tudo correr bem irá morrer comigo. Não devo ter tido muitos dias da minha vida em que não lesse nem que fossem meia dúzia de páginas de um livro. Tenho em casa uma parede toda ocupada por estantes com livros, mas estou urgentemente a precisar de mais espaço, porque eles continuam a aumentar em número. Não viajo sem livros na bagagem, o que me provoca sérios problemas de arrumação quando só levo uma mala de cabina. Começo a ressacar quando estou a terminar um livro e não tenho mais nenhum para iniciar a seguir. Nenhum que me apeteça, claro, porque há sempre aqueles que ficam eternamente por acabar de ler, e os outros que apetece reler sempre.
Dito isto, não tenho quaisquer pretensões intelectuais e as minhas leituras são muito variadas e aleatórias. De igual modo, não sou linear nos meus gostos. Há livrinhos que me entusiasmaram, e grandes obras que me aborreceram de morte. Hoje considero entediantes alguns géneros e escritores que em tempos devorei, enquanto há outros de que não me canso. Ler e falar sobre livros é sempre uma experiência pessoal e subjectiva – mas muito enriquecedora. É uma paixão inexplicável, felizmente partilhada por muitos, infelizmente não por todos. Que eu também vou partilhar aqui, na blogosfera. E no papel, claro, mesmo que só para mim.
O que estou a ler agora: Mas é Bonito, de Geoff Dyer. Mais notícias em breve…