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Gene de traça

Livros e etc.

A propósito da Primeira Grande Guerra

por Ana CB, em 03.08.14

 

A VIDA SECRETA DE STELLA BAIN

 

 Anita Shreve

 

 

 

 

 

Título: A Vida Secreta de Stella Bain

Título original: Stella Bain

Autor: Anita Shreve

Ano de lançamento: 2013

 

Editora: Clube do Autor

Publicação: 1ª edição – Julho 2014

Número de páginas: 256

Tradução: Eugénia Antunes

Revisão: Rui Augusto

 

 

A minha categoria de livros preferida é sem dúvida o romance histórico. O facto de a trama se situar numa época mais ou menos remota permite uma variedade infindável de temas abordados, de personagens que podem ser totalmente fictícias ou reconstituídas com maior ou menor fidelidade a partir de factos verídicos, de pormenores e descrições que me ensinam sempre algo que desconhecia. Proporcionam distracção e aprendizagem em simultâneo, satisfazem a minha curiosidade e ao mesmo tempo incentivam-me a querer saber mais sobre determinados assuntos. E é por isso que são frequentemente a minha primeira opção quando penso em comprar mais um livro (ou vários…).

 

Este novo livro de Anita Shreve, acabadinho de publicar no nosso país, aborda precisamente (e é muito provável que tenha sido lançado de propósito nesta altura) a efeméride de que mais se tem falado nos últimos tempos: a Primeira Guerra Mundial, sobre cujo início formal (28 de Julho de 1914) se cumpriram agora exactamente 100 anos.

 

Abordar é, no entanto, o verbo realmente mais indicado para referir o tratamento dado a este pedaço da História em “A Vida Secreta de Stella Bain”. A Primeira Guerra serve apenas de mote para os acontecimentos descritos na primeira parte do romance, não sendo mais do que um pretexto para introduzir outros temas igualmente tratados neste livro.

 

Mas vamos à história. Em 1916, uma mulher acorda amnésica num hospital de campanha no Marne, uma das frentes de batalha da Primeira Guerra em território francês. Pensa chamar-se Stella Bain, ser americana e enfermeira voluntária, ocupação que acumula com a de condutora de ambulâncias.

 

Ao longo de vários meses, enquanto trabalha na frente, Stella vai descobrindo algumas das suas aptidões e ocorrem-lhe pensamentos que suspeita serem lampejos de memórias. É seguindo o seu instinto que acaba por se encontrar em Londres, onde é acolhida casualmente pela mulher de um médico, um especialista em cirurgia craniana que se interessa pela emergente disciplina da psicanálise e se propõe ajudá-la a recuperar a memória.

 

O percurso do livro leva-nos ainda ao New Hampshire, uma região no nordeste dos Estados Unidos, e cruza flashbacks da vida da protagonista com saltos temporais na evolução da narrativa, alterna missivas trocadas entre continentes com descrições de um julgamento em tribunal, entrança traumas de guerra com direitos das mulheres e questões morais das mais diversas espécies, onde até a pedofilia e a homossexualidade têm o seu quinhão de espaço na história.

 

E é precisamente em toda esta “misturada” que na minha opinião reside o ponto fraco deste livro. São tantos os temas explorados ou aflorados que acabamos por ficar sem perceber qual é exactamente o ponto fulcral da história. Percebe-se que tudo gira à volta da protagonista, dos seus dilemas morais e dos episódios que se vão sucedendo na sua vida, mas… A sensação com que fiquei foi que alguns desses temas foram um bocado metidos “a martelo” na narrativa, como se a autora quisesse falar de uma coisa mas depois lhe surgisse outra ideia, e depois mais outra e outra, e ela quisesse colocar tudo lá dentro mas sem na realidade conseguir (ou ter tempo para) aprofundar um pouco mais qualquer um deles. É assim como que uma espécie de “menu de degustação” de questões candentes numa época de importantes mudanças sociais e políticas, como foi o caso daquela em que tem lugar a história contada no livro (entre 1896 e 1930, com especial incidência em 1916-18). Provamos um pouco de tudo, mas não chegamos a conseguir ficar com uma ideia completa de nada, ou quase nada.

 

Quanto à vertente “romance”, essa está devidamente assegurada, ou não fosse a autora já uma escritora com grande experiência nesta área – afinal, este já é o seu 17º livro. Além disso, este livro é uma espécie de “complemento” de uma sua outra obra, “Tudo o que Ele Sempre Quis”, à qual vai buscar algumas personagens mas contando a história do ponto de vista de outra delas, neste caso o elemento feminino; e Anita Shreve é realmente exímia na criação de mulheres indómitas e muito à frente do seu tempo, mulheres que rompem com os estereótipos da época em que vivem (embora talvez exista um pouco de utopia na construção dessas mulheres, que parecem ser quase perfeitas e completamente íntegras, mesmo nos seus defeitos).

 

O tom geral da narração é circunspecto e triste, a pender para o trágico. Mesmo os momentos mais felizes são descritos com alguma gravidade à mistura. A autora não faz grandes concessões à leveza de ambientes, e muito menos ao humor. Não conheço as suas obras o suficiente para presumir que seja sempre este o seu estilo de escrita, mas assemelha-se ao utilizado no único outro livro que li também da sua autoria, “A Praia do Destino”.

 

Em resumo, é um livro escrito de forma escorreita e com uma história interessante o suficiente para nos prender até à última página, apesar do final um pouco previsível. A variedade dos temas que aborda e a superficialidade com que são tratados deixou-me com a sensação de que ficou a faltar qualquer coisa, mas mesmo assim ofereceu-me algumas horas de distracção. Não sendo fabuloso, lê-se bem, e não causa quaisquer traumas.

 

O que também já acabei de ler: Quem Matou o Almirante?, da autoria conjunta de alguns elementos do The Detection Club. Dele falarei em breve…