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Gene de traça

Livros e etc.

25 livros para ler antes de morrer

por Ana CB, em 28.07.16

 

A Powell’s Books é uma cadeia de livrarias americana fundada em 1971 e baseada em Portland, no Oregon, que reivindica para si o estatuto de maior livraria independente do mundo (de livros novos e usados). No seu acervo tem mais de quatro milhões de livros, entre novos, usados, raros e fora de catálogo, e são comprados cerca de 3000 livros usados por dia.

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Divulgaram agora a sua mais recente lista de obras de leitura indispensável (“25 Books to Read Before You Die: World Edition”), com um texto introdutório excelente que traduzo/transcrevo parcialmente:

 

Quando se trata de arte que expande o nosso mundo, nada se compara à literatura. A experiência imersiva oferecida pelos livros transporta os leitores não só para outros lugares, como também para outros contextos mentais. Este ano (…) procurámos destacar literatura que expõe os leitores a culturas e modos de vida que podem diferir do seu. Esperamos inspirar as pessoas a procurarem leituras fora da sua zona de conforto – e os 25 livros desta lista valem bem a experiência. São obras vitais que falam não só para um público próximo, mas para todo o mundo em geral.

 

E a lista é esta:

 

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MEIO SOL AMARELO, de Chimamanda Ngozi Adichie (Nigéria) – a guerra do Biafra, na Nigéria, como pando de fundo para este romance, sobre o qual já falei aqui.

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RASHOMON E OUTRAS HISTÓRIAS, de Ryunosuke Akutagawa (Japão) – no Japão, Akutagawa é considerado o pai dos contos modernos, e é uma figura de culto.

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VOZES DE CHERNOBYL, de Svetlana Alexievich (Bielorrússia) – histórias contadas em primeira mão por quem viveu a maior tragédia nuclear ocorrida fora de um contexto bélico, o lado humano de um desastre já quase esquecido, mas cujos efeitos ainda se fazem sentir.

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GABRIELA, CRAVO E CANELA, de Jorge Amado (Brasil) – uma história rica em personagens e enredo, que mistura romance, infidelidade, paixão, morte, traição e humor, uma sátira social e política com laivos de regionalismo; uma das histórias mais deliciosas escritas pelo grande Jorge Amado.

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MARGARITA E O MESTRE, de Mikhail Bulgakov (Rússia) a Powell’s defende que se apenas lermos um romance russo em toda a vida, que seja este. A sinopse do livro diz que “O romance é composto por duas narrativas ligadas entre si — uma passa-se na Moscovo dos anos 30 e a outra na Jerusalém antiga. As personagens são estranhas, complexas, ambíguas e algumas delas sobrenaturais”.

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AS CIDADES INVISÍVEIS, de Italo Calvino (Itália) – Marco Polo e Kublai Khan sentam-se à noite no jardim, e Marco Polo distrai o imperador com histórias das cidades por onde passou nas suas viagens.

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AMOR NUMA CIDADE CAÍDA (LOVE IN A FALLEN CITY), de Eileen Chang (China) – ainda sem edição portuguesa, este livro é composto por seis histórias que combinam romance e desejo, enganos e decepções, passadas nos anos 40 em Hong Kong e Xangai.

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A VIDA E O TEMPO DE MICHAEL K, de J.M. Coetzee (África do Sul) – também com uma guerra como pano de fundo, a história centra-se na figura de um homem que empreende uma viagem que irá transformar-se num teste de resistência e de afirmação do espírito humano.

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O JOGO DO MUNDO – RAYUELA, de Julio Cortázar (Argentina) – diz quem leu o livro que ele é “visceral, uma experiência arquitectónica” e “frustrante e necessário e verdadeiro”. Duas histórias simétricas, um livro que se lê aos saltos, onde supostamente muitos capítulos são “dispensáveis”.

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A AMIGA GENIAL, de Elena Ferrante (Itália) – uma história sobre a amizade, as classes sociais, o feminismo, a política a lealdade, a maternidade; ou, resumindo, sobre a complexidade da vida no feminino.

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ESPELHOS - UMA HISTÓRIA QUASE UNIVERSAL, de Eduardo Galeano (Uruguai) – também ainda sem edição portuguesa (apenas brasileira), este livro agrupa quase 600 histórias curtas onde Galeano narra de forma poética 5000 anos da História da humanidade do ponto de vista dos desfavorecidos, aqueles que não são lembrados pela História oficial.

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UMA SOLIDÃO DEMASIADO RUIDOSA, de Bohumil Hrabal (República Checa) – conta a história de um homem que resgata livros raros e outros textos condenados à destruição; uma ode ao poder dos livros e ao amor pela palavra escrita.

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O POVO DOS OSSOS (THE BONE PEOPLE), de Keri Hulme (Nova Zelândia) – mais um livro ainda não traduzido para português; na sinopse diz-se que “Keri Hulme criou aquilo que é ao mesmo tempo um mistério, uma história de amor e uma ambiciosa exploração da zona em que a Nova Zelândia maori e a europeia se encontram, embatem e por vezes fundem”.

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O LIVRO DO VERÃO (THE SUMMER BOOK), de Tove Jansson (Finlândia) – da escritora mais conhecida por ser a criadora dos livros infantis que contam as histórias dos Mumins, este livro para adultos (que também não tem edição portuguesa) segue uma avó e a sua neta, que acabou de ficar órfã, durante um Verão passado no arquipélago finlandês, em que conversam sobre a vida e os seus mistérios.

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ANNIE JOHN, de Jamaica Kincaid (Antigua) – ainda sem publicação em português, este livro centra-se na topografia emocional das relações mãe-filha e na perda de inocência quando se deixa para trás a infância.

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GENTE INDEPENDENTE, de Halldór Laxness (Islândia) – considerado como um dos grandes romances do séc. XX, este livro do Nobel da Literatura islandês narra a história de um homem forte e determinado que vive quase em isolamento e não confia em ninguém a não ser em si próprio.

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PERTO DO CORAÇÃO SELVAGEM, de Clarice Lispector (Brasil) – o primeiro romance da escritora, publicado quando tinha pouco mais de vinte anos, fala-nos de Joana e das inseguranças e incertezas próprias da entrada na idade adulta, da ténue linha que separa a afirmação da identidade e a sua perda.

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CORAÇÃO TÃO BRANCO, de Javier Marías (Espanha) – as relações interpessoais examinadas à lupa, com os seus segredos, as suas omissões, as suspeitas, as tentações; até que ponto é possível conhecermos verdadeiramente uma pessoa?

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UM DELICADO EQUILÍBRIO (A FINE BALANCE), de Rohinton Mistry (Índia) – uma história épica com um sensacional conjunto de personagens, onde é pintado um retrato vibrante da Índia e das suas gentes em meados dos anos 70.

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CIDADES DE SAL (CITIES OF SALT), de Abdelrahman Munif (Arábia Saudita) – uma poderosa ficção política (também ainda não traduzido para o nosso país) que gira à volta da descoberta de petróleo num oásis pobre do Golfo Pérsico; banido em vários países árabes, incluindo a própria Arábia Saudita.

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EM BUSCA DO CARNEIRO SELVAGEM, de Haruki Murakami (Japão) – uma tarefa absurda é o mote para Murakami tecer uma história onde o surreal se mistura com comentários sobre a política, a filosofia e a modernidade.

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A VIDA MODO DE USAR, de Georges Perec (França) – diz o comentador da Powell’s que neste livro, o autor “desconstrói as vidas num bloco de apartamentos ficcionado em Paris num determinado momento em 1975. O resultado é uma tapeçaria de histórias entretecidas, que são alternadamente divertidas e tristes, e que têm como origem os maiores constrangimentos de escrita esotéricos que é possível imaginar”.

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ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA, de José Saramago (Portugal) – do nosso Nobel da Literatura, uma história que disseca os comportamentos humanos em tempos de catástrofe e nos mostra até que ponto somos capazes de esticar os nossos limites para sobreviver ao caos.

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A RUA DOS CROCODILOS E OUTRAS HISTÓRIAS, de Bruno Schulz (Polónia) – também ainda sem tradução portuguesa, este livro do grande escritor e artista polaco que morreu às mãos dos nazis é um hino à imaginação, uma obra que navega entre a realidade e a ilusão, cheia de frases poéticas plenas de detalhes sensoriais.

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OS ANÉIS DE SATURNO, de W. G. Sebald (Alemanha) – um narrador sem nome passeia pelo litoral inglês, e acompanhamos as suas meditações sobre a natureza, as suas memórias, a criação e a destruição, o espírito humano.

 

Concorde-se ou não com as escolhas incluídas nestas listas regularmente divulgadas pelos vários protagonistas da indústria literária, a verdade é que elas têm pelo menos a utilidade de nos despertar a curiosidade em relação a livros e autores que nem sempre são tão divulgados ou conhecidos como provavelmente o merecem – e a prova disso é o facto de vários destes livros ainda não terem sequer sido publicados na nossa língua.

 

Já li alguns destes livros, outros estão na minha lista TBR. E as vossas opiniões serão bem vindas.

 

 

 

Uma matrioska na montanha-russa

por Ana CB, em 23.07.16

 

A VERDADE SOBRE O CASO HARRY QUEBERT

Joël Dicker

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Título: A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert

Título original: La vérité sur l’affaire Harry Quebert

Autor: Joël Dicker

Ano de lançamento: 2012

 

Editora: Alfaguara

Publicação: 1ª edição – Novembro 2015

Número de páginas: 696

Tradução: Isabel St. Aubyn

Revisão: Cristina Correia, Eurídice Gomes e Manuel Eugénio Fernandes

 

 

Não há muitos livros de 700 páginas em caracteres de dimensão reduzida que actualmente eu consiga ler em 3 dias e pouco – sendo que um desses dias foi um dia útil, ou seja, estive a maior parte do dia a trabalhar. Mas foi o que aconteceu com este livro. “Viciante” é o adjectivo que mais ouvi quando me falaram dele, e é absolutamente adequado. Mas não chega para o definir.

 

Aliás, definir este livro não é tarefa linear. À primeira vista classifica-se como um policial – afinal, o enredo gira todo à volta do mistério do desaparecimento/morte de uma adolescente, ocorrido nos anos 70, e a pergunta-chave que queremos ver respondida é mesmo: afinal, quem matou Nola Kellergan? Mas à medida que fui avançando na leitura comecei a encontrar mais “sumo” na história.

 

Em primeiro lugar, o livro fala-nos também da escrita e do ofício de escritor. No início de cada capítulo encontramos uma espécie de tutorial para escrever uma história que agarre os leitores, que seja interessante, truques e métodos para que um livro tenha sucesso. E todos eles estão utilizados inteligentemente pelo próprio Joël Dicker neste “A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert” – a prova de que funcionam é o sucesso do livro. Estes conselhos são dados por um dos actores principais da história, o escritor/professor Harry Quebert, ao narrador principal da acção, o seu ex-aluno e também escritor Marcus Goldman. A relação entre eles ilustra em certa medida (com as devidas diferenças) o mito de Pigmalião, com o professor a “esculpir” o talento bruto que consegue ver no seu aluno, e que é também um outro aspecto interessante da história.

 

Em segundo lugar, este livro é no fundo um romance. A história de um amor quase impossível, com laivos de “Lolita”, em que um homem mais velho se apaixona por uma adolescente miúda e vice-versa. E várias outras histórias de amor e desamor emaranhadas na principal, em que A é amada por B mas ama C, que ama D, que é amada por E… tudo isto misturado num cocktail que ainda tem como ingredientes inúmeros outros pequenos dramas pessoais, segredos escondidos atrás de estores venezianos que se vão entreabrindo lentamente, revelados a conta-gotas, como convém (para manter o interesse) – pois nada do que parece é, e o pano de fundo da história é uma teia de enganos. E os heróis têm todos pés de barro. Tal como nós.

 

Mas uma teia bem urdida, é o que vos digo, pois no final tudo se encaixa. Ao longo da leitura fui compondo teorias umas atrás das outras, arranjando explicações possíveis para este ou aquele facto, tentando perceber o porquê de algumas incongruências… Trabalho vão. Se acertei nalguns pormenores, no geral fiquei muito aquém da explicação que só nos é dada mesmo nas últimas páginas, depois de vários falsos finais – sempre seguidos de mais uma reviravolta. Este livro parece uma matrioska às voltas numa montanha-russa. Com loops e tudo.

 

A verdade é que há já bastante tempo não me acontecia ser acometida por esta febre de ler um livro quase ininterruptamente. Não é um “livrão”, não é uma obra-prima da literatura ou material para um Nobel – mas é um livro excelente, entretenimento puro, bem concebido, bem escrito, e eu gostei muito, mesmo muito de o ler. Um livro aparentemente simples, mas que de simples afinal não tem nada.

 

Uma pedrada no charco da literatura moderna. Leiam e depois digam-me se não concordam.