Entre aspas #1 Gore Vidal
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Quando chove, há poesia nas ruas de Boston.
A Mass Poetry (http://www.masspoetry.org/) é uma organização sem fins lucrativos fundada em 2009 para apoiar e divulgar a poesia e os poetas do estado norte-americano de Massachusetts. Um dos principais objectivos que se propõem é levar a poesia até às pessoas. E haverá melhor maneira para o fazer do que colocá-la (literalmente!) nas ruas?
Em parceria com a Câmara Municipal de Boston, a Mass Poetry está agora a pôr em prática um programa a que deram o nome de “Raining Poetry”, e que irá trazer mais poesia ao quotidiano da cidade… sempre que chove.7
Utilizando a inovadora tinta invisível em spray da Rainworks (http://rain.works/), e com a colaboração da “Mayor's Mural Crew”, um grupo de jovens patrocinado pela Câmara, estão a ser pintados poemas nos passeios de Boston, em locais diversos espalhados pela cidade.
Esta tinta tem a particularidade de só ser visível quando molhada, o que faz com que nos dias de chuva os poemas pintados surjam como que magicamente do chão, para serem apreciados por quem passa e tornarem menos cinzentos os dias dos bostonianos.
Agora que a polémica calçada portuguesa (não a artística, felizmente) vai começar a ser progressivamente substituída por outros tipos de piso, esta seria sem dúvida uma boa ideia para que os nossos passeios ficassem menos tristes naqueles dias em que a chuva não dá tréguas a quem anda a pé.
Já chove. Outra vez. Nem se vê bem a outra margem do rio. E não está calor nenhum. #porcariadetempo #paranaodizeroutracoisapior #porqueeusouumasenhora #soquenao
Acabei de perceber que o livro "Ama-te" do Gustavo Santos está nos tops das vendas nacionais:
- Em 2º na FNAC
- Em 4º no Top não ficção da Bertrand
- Em 6º na Wook
Num país onde supostamente há pouco dinheiro para gastar em livros e atendendo ao calibre das "coisas" (não consigo encontrar palavra melhor) que ele costuma dizer, só me ocorre uma pergunta: como é possível?
Policial, histórico, baseado em factos verídicos, com um toque de "noir" aqui e ali… poder-se-ia pensar que um livro com tanta mistura de géneros se revelasse uma coisa sem pés nem cabeça. Mas não, nada disso, é precisamente o contrário que acontece nesta sugestão de leitura de que hoje vos falo.
"VOLTE-FACE" de Steven Saylor
Título: Volte-Face
Título original: A Twist at the End
Autor: Steven Saylor
Ano de lançamento: 2000
Editora: Quetzal Editores
Publicação: Outubro 2003
Número de páginas: 552
Tradução: Maria José Figueiredo
Sinopse
Em 1885 Austin, no Texas, é um lugar feito de pó e sonhos, fortunas rápidas e desejos selvagens. Mas “O aniquilador das empregadas domésticas” também está a transformá-la numa cidade de medo. A primeira vítima, uma governanta mulata, é arrancada da sua cama e assassinada. Outras seis mulheres irão morrer, incluindo a bonita e loira Eula Phillips, amante do empregado bancário Will Porter. Uma década mais tarde, vivendo em Nova Iorque sob o nome de O. Henry, Will não consegue escapar às suas memórias – nem às exigências impiedosas de um chantagista. É então que uma carta misteriosa o convida a regressar ao Texas para seguir o caminho obscuro de um assassino sádico e fazer uma descoberta espantosa, enquanto é forçado a confrontar-se com os demónios da sua própria mente atormentada.
(sinopse traduzida a partir daqui)
A minha opinião
Steven Saylor é conhecido pelos seus livros policiais que constituem a série “Roma Sub Rosa”, protagonizada pelo genial Gordiano, o Descobridor, que desvenda crimes e mistérios de forma pouco ortodoxa durante os conturbados anos áureos da civilização romana. Neste “Volte-Face”, o escritor consegue mais uma vez conjugar personagens e factos verídicos com a dose de imaginação certa para nos oferecer um policial cheio de peripécias, tendo como cenário de fundo a cidade de Austin no início do séc. XIX. Associando a vaga de assassinatos macabros (nunca desvendados) que ocorreu nesta cidade a um potencial pré-Jack o Estripador, cuja identidade nos é revelada no final, o escritor mostra-se mais uma vez exímio na arte de misturar factos e ficção e demonstra aqui a sua versatilidade ao sair da “zona de conforto” do império romano, onde já nos tinha provado estar como peixe na água.
Mesmo sendo apreciadora de longa data de Steven Saylor e da sua arte de contar histórias de forma interessante (li avidamente todos os livros da série “Roma Sub Rosa”) gostei particularmente deste livro, tanto que já o li duas vezes. O ritmo da narrativa vai-se intensificando com o desenrolar da história, e às tantas dei por mim ansiosa por conhecer o final, tantas eram as dúvidas sobre qual seria o desfecho do livro e se haveria realmente um volte-face surpreendente.
Não quero ser spoiler, por isso nada mais direi. Apenas que este livro é entretenimento puro.
(Nota: há alguns exemplares à venda em vários sites de livros usados, e a preços em conta.)
MEIO SOL AMARELO
Chimamanda Ngozi Adichie
Título: Meio sol amarelo
Título original: Half of a yellow sun
Autor: Chimamanda Ngozi Adichie
Ano de lançamento: 2006
Editora: Asa
Publicação: 1ª edição – Julho 2009
Número de páginas: 544
Tradução: Tânia Ganho
Chimamanda Ngozi Adichie é uma das minhas escritoras preferidas. O primeiro livro dela que li foi “Americanah”, comprado um pouco por acaso sem ter qualquer referência de alguém que já tivesse lido alguma sua obra, e que foi para mim uma muito grata surpresa. Aliás, “Americanah” faz parte da lista dos meus livros favoritos (de que já falei aqui), e penso que isso já diz tudo, ou quase.
A impressão com que fiquei de Chimamanda foi tão mas tão favorável que quando surgiu a oportunidade não hesitei em comprar este “Meio sol amarelo”, que foi publicado antes de “Americanah” e vencedor de um Orange Prize, entre outras distinções. Embora, devo confessar, quando comecei a lê-lo tenha tido um certo receio de que ficasse aquém do outro e me desiludisse um bocado.
Pois deixem que vos diga que os meus receios foram completamente infundados. “Meio sol amarelo” conseguiu agarrar-me tanto ou mais do que “Americanah”, apesar de o seu tema de fundo ser bastante diferente.
O cenário em que se desenrola o livro é a guerra do Biafra. “Guerra do quê?”, perguntarão vocês. Mesmo em Portugal – que, curiosamente, foi um dos poucos países que apoiou a independência do Biafra – não haverá muita gente que se lembre de vez em quando daquela que foi a primeira guerra civil exclusivamente entre africanos no séc. XX, e também a primeira a ter alargada cobertura dos meios de comunicação à escala global. Um conflito provocado simultaneamente por questões religiosas, étnicas e económicas, que durou quase três anos e terminou com a reintegração do Biafra na Nigéria e um saldo de três milhões de mortos (dos oito milhões de almas que habitavam a região), na sua maioria de fome e doenças provocadas pelo bloqueio organizado pela Nigéria com o apoio de países de peso, como a Grã-Bretanha ou a União Soviética, e que interditou completamente a entrada na região de alimentos ou qualquer outro tipo de ajuda (incluindo a humanitária). Uma verdadeira catástrofe, que hoje em dia está praticamente esquecida – sem dúvida que em parte por causa dos inúmeros outros conflitos bélicos que têm ocorrido uns atrás dos outros desde essa altura, numa espiral de loucura que parece não ter qualquer fim à vista.
(Para quem quiser conhecer mais alguns pormenores da guerra do Biafra, sugiro que leia este pequeno mas bastante elucidativo artigo do DN.)
Retrato cru e desassombrado deste trágico pedaço da história de um povo, “Meio sol amarelo” entrelaça acontecimentos verídicos com as vidas ficcionadas das personagens criadas por Chimamanda para através delas nos fazer chegar a sua mensagem, a sua visão dos factos. Que é também, e outra coisa não seria de esperar, uma visão sobretudo muito feminina dos acontecimentos e mais ainda da sociedade daquele que é o país de nascimento da escritora. Ugwu, o adolescente a quem a guerra rouba a inocência e que mais tarde irá encontrar a sua voz através da escrita; o revolucionário Odenigbo e a corajosa e apaixonada Olanna; a surpreendente Kainene e o “estrangeiro” Richard; são eles os actores principais deste livro que, assim como quem não quer a coisa, nos dá um murro no estômago. E quem nos mostra como as maiores vítimas de qualquer conflito armado são sempre as pessoas como nós, aquelas que de um dia para o outro vêem a sua vida virada do avesso sem em nada para isso terem contribuído; mas que mesmo assim se esforçam para não perderem a sua humanidade e continuarem a sentir.
A escrita de Chimamanda tem uma qualidade descritiva fora de série. Ela consegue “pintar” cada cenário, cada reacção, cada acontecimento com um detalhe e uma nitidez surpreendentes, e no entanto nem damos por isso. Não se torna maçuda nem palavrosa e constrói diálogos naturais, que mistura agilmente com a narrativa. No livro não há momentos aborrecidos, apesar de algumas partes serem pesadas de digerir.
Mas não pensem que a mensagem que é passada neste livro pela autora é de fatalidade ou rancor. Muito pelo contrário. É de perdão que aqui se fala, de redenção, de renascimento. De como é possível sobreviver a um holocausto e voltar a viver e a ter esperança, mesmo quando o desenlace de uma luta não é aquele que quereríamos, mesmo quando tantas vidas perdidas e tanto infortúnio parecem afinal ter sido em vão – meros danos colaterais numa guerra sem sentido. Como o são, aliás, todas as guerras.