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Gene de traça

Livros e etc.

Um livro é bom quando…

por Ana CB, em 31.03.16

 

O que é que faz de um livro um bom livro? Quais são as razões que nos levam a achar que um livro é excelente e outro é lixo? Porque é que há livros famosíssimos que detestámos e outros de que ninguém fala e no entanto ocupam um lugar especial nossa memória?

 

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Há dias que ando a pensar nisto, em como são subjectivos os nossos amores e desamores literários. Cada cabeça terá a sua sentença e as suas preferências, e os critérios de cada um de nós são tão variados e variáveis que seria um trabalho de demasiado fôlego tentar categorizá-los todos.

 

Por isso, apenas posso falar de mim e por mim. Há “requisitos” que um livro (e aqui estou só a falar de livros de ficção) tem de cumprir para ficar no meu coração e na minha memória.

 

Para mim, um livro é bom quando…

 

… tem um enredo interessante – pode ser um tema banal ou originalíssimo, um policial cheio de reviravoltas, ficção científica pura, ou uma novela de amor levezinha, mas a história tem de me agarrar; se for assim uma coisa desenxabida, ou completamente deprimente, ou daquelas histórias que não atam nem desatam, que me fazem ficar impaciente à espera do momento em que alguma coisa de realmente interessante se passe… posso lê-lo até ao fim, mas será certamente esquecido assim que o arrumar na prateleira.

 

… tem personagens admiráveis - há livros que valem pelas figuras que o povoam; personagens bem construídas, que enchem as páginas de acções memoráveis, ideias fantásticas, opiniões lúcidas, loucuras deliciosas, ou até mesmo atitudes imorais e actos horripilantes; mas personagens com alma, íntegras nas suas manifestações, que posso amar ou odiar, que rejeito ou com quem me identifico, mas às quais não consigo ficar indiferente.

 

… é consistente - num bom livro há unidade e coerência do princípio ao fim; há um fio condutor que me orienta pela trama da história, e mesmo que nalguns casos tudo pareça disperso, todos os elementos acabam por se encaixar na perfeição; não há lacunas, não há pontas soltas, não há acontecimentos ou personagens que parecem importantes mas que depois são deixados cair e me deixam sem perceber o porquê de terem aparecido na história; quando acabo de ler um bom livro, sinto que tudo bateu certo.

 

… é imprevisível – é difícil eu gostar muito de um livro cujo fim já consigo adivinhar quando ainda vou a meio; se não puder ser surpreendente, pelo menos que não seja “mais do mesmo”.

 

… me dá luta – gosto de livros que me fazem pensar, que me obrigam a concentrar, que me levantam dúvidas, que me levam a pesquisar sobre qualquer coisa que conheço mal; livros com os quais aprendo algo novo.

 

… está bem escrito – independentemente do estilo de cada escritor, para mim um bom livro tem de estar impecavelmente escrito do ponto de vista da gramática e da sintaxe; irritam-me os erros, as palavras mal utilizadas, as faltas de concordância, as frases mal construídas, o excesso de vírgulas, e vários outros pecadilhos do mesmo calibre (a não ser, obviamente, que sejam propositados por questões de exigência da história que está a ser contada).

 

… se lê bem – um livro bom tem de ser “legível”; a linguagem pode (e deve) ser cuidada, trabalhada ou até mesmo erudita, a forma como o enredo é apresentado pode ser mais ou menos linear; mas não consigo apreciar devidamente um livro que seja tão complicado a ponto de se tornar hermético, ou tão confuso que acabe por me fazer perder o fio à meada (e a paciência para o ler).

 

… está bem traduzido – embirro solenemente com más traduções; e por má tradução não me refiro a questões de opção de estilo, mas tão simplesmente a traduções incorrectas de, por exemplo, expressões idiomáticas ou palavras que tenham mais do que uma conotação; ou traduções cujo resultado é um livro mal escrito.

 

… tem uma edição cuidada – e na edição incluo também o trabalho de revisão; um livro bom não tem gralhas, é graficamente agradável de ler e não se torna visualmente cansativo.

 

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Estes são os motivos que levam a que eu goste muito, mesmo muito (ou então mesmo nada) de um livro. E cada um terá os seus. Porque afinal, como muito bem o resume Andy Miller no seu livro “The year of reading dangerously”,

 

“Cada livro é uma espécie de máquina… Temos de o ler para descobrir como é que funciona.”

(Every book is a sort of machine… You have to read it to find out how it works.)

 

 

Sabem o que é Tanka?

por Ana CB, em 24.03.16

Quem gosta de poesia sabe certamente o que é haiku – uma forma curta de poesia japonesa tradicional caracterizada por versos de 17 sílabas, divididas em três unidades métricas de 5,7 e 5 sílabas, e que se popularizou a partir de finais do séc. XIX.

 

Mas sabem o que é tanka?

 

Tanka é assim como que uma espécie de “avó” da poesia haiku. O termo significa “poema curto” e tem as suas origens no séc. VII. Um poema tanka tem trinta e uma sílabas e embora no Japão seja escrito tradicionalmente numa única linha sem cortes, quando transcrito para romaji (a forma de transcrição fonética da língua japonesa para o alfabeto latino) adopta a organização métrica de 5 linhas com 5, 7, 5, 7 e 7 sílabas. Nesta organização, as três linhas superiores (kami no ku) são por vezes separadas das duas linhas inferiores (shimo no ku), sendo a unidade superior a origem do haiku. O carácter breve da poesia tanka e a mudança das linhas superiores para as inferiores, que frequentemente marca o desvio ou a expansão do assunto que está a ser abordado, leva a que por vezes se compare o tanka com o soneto.

 

A era Heian, entre finais do séc. VIII e inícios do séc. XII, foi o período literário e artístico mais rico do Japão. A capital era então Heyan-Kyo, que hoje conhecemos como Kyoto, por ser a cidade onde residia a corte imperial. A poesia tanka tornou-se a forma poética preferida não só como entretenimento nos meios aristocráticos, mas também e sobretudo como meio de comunicação nos relacionamentos amorosos. Pela sua economia e adaptabilidade à expressão emocional, um poema tanka era a forma ideal de comunicação íntima depois de um encontro entre amantes, como agradecimento ou recordação, ou ainda para exprimir reflexões pessoais. E precisamente porque a sua finalidade era muitas vezes serem oferecidos a alguém, eram escritos sempre do ponto de vista pessoal do seu autor ou autora, embora não obrigatoriamente na primeira pessoa.

 

Neste período culturalmente florescente, os homens consideravam o japonês como uma língua menor, razão pela qual escreviam as suas obras poéticas ou de prosa em chinês, linguagem adoptada oficialmente pelo governo nos séculos IV e V. As mulheres aristocratas gozavam de bastante independência, e era visto com bons olhos que dos seus atributos artísticos fizessem parte a escrita e a recitação de poesia. Sendo a poesia tanka especialmente apropriada à verbalização da sensibilidade feminina e largamente apreciada pelo estrato social culturalmente mais favorecido, não é de admirar que as mulheres mais educadas a escolhessem como forma principal de expressão artística. Elas foram por isso as maiores produtoras e divulgadoras da tanka como arte maior, e por inerência – porque não escreviam em chinês, língua que não era habitual as mulheres usarem – as grandes impulsionadoras do japonês também como linguagem poética. Não o sendo exclusivamente, na sua época áurea a poesia tanka foi sobretudo feminina.

 

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Título: TANKA Poesia dos séculos IX a XI

Autor: organização e versão portuguesa de Luísa Freire

Ano de lançamento: 2007

 

Editora: Assírio & Alvim

Publicação: Setembro 2007

Número de páginas: 80

Revisão: Ana Barradas

 

Há alguns anos dei com os olhos neste livro, e não resisti a comprá-lo. Adaptado e traduzido a partir da obra The Ink Dark Moon: love poems by Ono No Komachi and Izumi Shikibu, de Jane Hirshfield com Mariko Aratani, fala-nos de duas das mais importantes poetisas criadoras de tanka nos séculos referidos, e transcreve alguns dos seus poemas. Com uma sucinta, embora bastante recheada, explicação inicial sobre o período em que viveram e o percurso pessoal de cada uma delas, oferece-nos depois uma antologia da produção poética destas duas figuras femininas, ambas tendo ocupado uma posição deveras relevante no panorama artístico das suas épocas.

Deixo-vos aqui a reprodução de alguns dos seus poemas traduzidos, todos eles encantadores e plenos de sensibilidade.

 

ONO NO KOMACHI

 

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ISUMI SHIKIBU

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Obrigada, SAPO! #4

por Ana CB, em 14.03.16

A equipa dos blogs do SAPO é muito generosa e destacou, durante o fim-de-semana passado, mais este post meu sobre a (já indispensável, para mim) aplicação Pocket. Dois posts seguidos com destaque? Estão a estragar-me com mimos :)

 

Obrigada a toda a equipa!

 

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Guarde no bolso

por Ana CB, em 11.03.16

 

Não sei se vos acontece o mesmo, mas raro é o dia em que eu não encontre, algures nesse universo em constante expansão que é a Internet, um artigo que me apetece guardar para consultar no futuro – porque é útil, porque não tive tempo de o ler bem, ou simplesmente porque é bonito e me inspira.

 

Imprimir tudo o que me interessa está fora de questão, obviamente por razões de economia de espaço e de árvores. A minha adoração pelo papel é enorme mas resume-se a livros e cadernos, e àqueles tipos de papel úteis para trabalhos manuais. Em coisas comezinhas como contas, extractos bancários e quejandos, há já vários anos que bani da minha vida o papel.

 

A solução é guardar em formato electrónico. Como gravar tudo no disco do computador também não é uma opção prática, até há pouco tempo socorria-me das ferramentas postas à disposição pelo Chrome, o Facebook ou o Bloglovin, por exemplo. Resultado: a minha lista de favoritos na barra de marcadores é maior do que uma lista de supermercado para abastecer mensalmente uma casa de família; e de cada vez que tentava encontrar qualquer coisa, tinha de andar à procura em vários “lugares” diferentes até descobrir aquilo que queria. Uma maçada.

 

E foi então que um belo dia li um artigo onde, entre outras “apps”, falavam desse pequeno milagre que é o Pocket.

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Utilizável tanto no smartphone como no tablet e no computador, o Pocket é uma “app” onde, como o nome indica, se pode guardar tudo (artigos, vídeos, fotos) para consultar mais tarde – até mesmo em modo offline. Basta seleccionar o link da página onde estamos, abrir o Pocket e… voilà! Ele próprio é quem nos pergunta se queremos guardar a página que corresponde ao link em questão. Depois de guardada, é ainda possível etiquetá-la (as etiquetas são à nossa escolha), arquivá-la ou deixá-la na lista principal, marcá-la como favorita ou partilhá-la com outras pessoas. Um mimo!

 

Podemos interagir com amigos (que também estejam registados) e a própria aplicação recomenda artigos publicados – que são patrocinados, obviamente, pois os fundos para manter o sistema a funcionar têm de vir de algum lado.

 

O Pocket pode ser integrado em mais de 1500 aplicações e está disponível para os principais dispositivos e plataformas. E também é possível guardar ligações por meio do envio de um email.

 

A versão base do Pocket é gratuita – e pela parte que me toca satisfaz plenamente as minhas necessidades. Mas quem precisar de mais funcionalidades tem à disposição a versão Premium, obviamente mediante o pagamento de um montante acessível (cerca de 40 euros/ano, actualmente).

 

Não sou maluquinha por gadgets nem ando sempre em cima das últimas novidades, mas adoro coisas que me facilitem a vida, e esta “app” é uma delas. Simplicíssima de utilizar, rápida e muito, muito útil para ter tudo o que me interessa sempre à mão e bem organizado.

 

Experimentem! Tenho a certeza de que vão ficar tão fãs quanto eu.

Obrigada, Sapo! #3

por Ana CB, em 04.03.16

E não é que o meu livrinho com quase 150 anos tem honras de destaque no Sapo hoje? Ele merece, sem dúvida, é um resistente  Terá certamente uma grande história por detrás, e só lamento não a conhecer.

 

Muito obrigada à equipa de blogs do Sapo.

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Uma preciosidade

por Ana CB, em 03.03.16

Procurava eu um determinado livro nas minhas estantes (tarefa nem sempre fácil, apesar de eu os ter mais ou menos organizados, porque já são mais de oitocentos) quando tropecei num livrinho velho que há já algum tempo alguém deu a alguém que me deu a mim, por conhecer a minha paixão por livros, mas do qual eu praticamente me tinha esquecido. E é este “achado” curioso que quero partilhar hoje com vocês.

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É um livro pequeno e fininho, com 10x15 cm e menos de 1 cm de espessura, e com uma capa forrada de tecido castanho, já meio desbotado e esfiapado.

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As folhas estão muito amareladas pelo tempo, ligeiramente carcomidas nalguns pontos e com os bordos irregulares.

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No verso da capa tem uma etiqueta com a indicação do encadernador.

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E na primeira página, em cima, escrito a lápis, um nome feminino: Delmira.

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Mas o mais interessante vem depois, numa página escrita à mão que nos diz que este é um livro de versos que pertenceu a Delmira Maria Assumpção da Costa (o nome está riscado a lápis e foi acrescentado outro por baixo). E a seguir, a data: Lisbôa 10 de Outubro de 1869. Não, não me enganei, é mesmo este o ano: 1869.

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Este livrinho tem 147 anos de idade!

Foi escrito na segunda metade do séc. XIX, quinze anos depois da morte de Almeida Garrett e um ano antes de Eça de Queiroz publicar o seu primeiro livro.

Quando mo ofereceram nem reparei na data e só agora me apercebi de como ele é realmente antigo.

Mas há mais curiosidades. A caligrafia é belíssima, com os títulos dos poemas em letras desenhadas com sombreados e os textos em itálico e, por vezes, algumas palavras em destaque com letras maiores e mais elaboradas. São ao todo 18 poesias em 60 páginas numeradas, e uma folha rasgada no final que se percebe ser um índice.

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Os poemas versam temas variados, mas não têm indicação dos seus autores. Há poemas de amor, políticos e populares. Numa breve pesquisa que fiz na net encontrei dois ou três devidamente identificados, mas da maioria não detecto qualquer vestígio.

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A título de curiosidade, transcrevo em baixo um dos mais engraçados, exactamente com a grafia com que está escrito:

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A festa de Sto. Amaro

 

Marujos, saloiada, catraeiros,

Fadistas, tocadores de viollas,

Gallegos sacudindo as castanholas,

Bailando ao som de gaitas e pandeiros.

 

Seges, machos, cavallos e sendeiros,

Muito povo girando a dar às solas,

Apertões, pizadellas, cantarolas,

Guitarristas, patuscos, piteireiros.

 

Bodegas mascarradas e nojentas,

Onde tudo se vende mau e caro,

E do azeite o fartum arreda as ventas…

 

Que salgalhada é esta em que reparo?

Respeita isto que vês – são coisas bentas?

É a festa devota a Santo Amaro.

 

 

É ou não uma preciosidade?