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Gene de traça

Livros e etc.

Uma linha por dia

por Ana CB, em 27.01.16

Quando era miúda – muito miúda mesmo, aí pelos meus nove ou dez anos, ou talvez menos – a minha mãe ofereceu-me um diário. Lindo, uma capa toda branca com incrustações em madrepérola, um fecho com chave, e arestas das folhas douradas. Foi das prendas que mais adorei, e uma das melhores que poderiam ter-me dado, porque a seguir à paixão pela leitura (que eu já tinha) despertou-me o gosto pela escrita.

A partir daí habituei-me a escrever todos os dias um pouco. O diário passou a ser o receptáculo dos meus desabafos, o meu confidente, a minha terapia. Depois de estar cheio, passei a usar cadernos normais para escrever, mas não perdi o hábito. Às vezes escrevia todos os dias, às vezes passava alguns tempos sem pôr nada no papel, mas aqueles cadernos foram uma companhia constante durante a minha adolescência. Neles verti as minhas frustrações, os meus amores e desamores, e as minhas alegrias também. Foram parte importante no meu crescimento.

Já adulta, à medida que comecei a desdobrar-me cada vez mais em trabalho, casa, família, fui perdendo a necessidade de escrever um diário. O tempo era escasso para os muitos afazeres, e à noite o cansaço era demasiado para tudo o que não fosse chegar à cama e fechar imediatamente os olhos. Passei a escrever só muito raramente, às vezes com intervalos de anos, apenas quando sentia realmente vontade. A escrita continuava a funcionar para mim como um lugar de confidências, uma ajuda para descomprimir, mas cada vez com menos importância.

Fanática por papel que sou, mantive no entanto o gosto por cadernos e blocos e livrinhos em branco onde também pudesse tomar notas ou escrever “coisas” que ia encontrando, lendo aqui e ali. Oferecidos ou trazidos de viagem, já cheios ou ainda virgens, guardo-os religiosamente e vou usando-os consoante as minhas necessidades. Adoro pegar neles só para os olhar, passar as mãos pelas capas, folheá-los mesmo sem qualquer razão especial. Simplesmente porque gosto de papel, do toque, do cheiro, das ilustrações.

Sucedeu há dias passar os olhos por qualquer coisa aqui na net – já nem sei o quê – onde uma fotografia mostrava entre outras coisas uma espécie de livrinho com um título que me despertou a atenção: “One line a day”. Esta frasezinha ficou a bailar-me na cabeça sem qualquer razão aparente, e ao fim de um bocado dei por mim a pensar: e se eu adoptar esta frase para a minha vida? Porque não voltar a criar o hábito de escrever qualquer coisa sobre mim todos os dias? Apenas uma linha (ou duas ou três, se me apetecer), qualquer coisa que me ocorra, meia dúzia de palavras que resumam o meu dia ou apenas espelhem algo que (ou em que) pensei, ou que simplesmente falem do tempo, do meu humor ou de qualquer coisa sem importância nenhuma. Apenas algumas palavras, mas fazê-lo todos os dias. Uma espécie de twitter pessoal, para memória futura.

Este é mais um desafio para mim própria, uma forma de lutar contra a preguiça que se vai instalando em mim insidiosamente, um novo exercício de escrita, uma experiência. Gosto de me pôr à prova, mesmo que em coisas de pouca monta.

Até já escolhi o caderno. E hoje é um dia bom para começar.

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