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Gene de traça

Livros e etc.

Uma matrioska na montanha-russa

por Ana CB, em 23.07.16

 

A VERDADE SOBRE O CASO HARRY QUEBERT

Joël Dicker

Harry Quebert.jpg

 

  

Título: A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert

Título original: La vérité sur l’affaire Harry Quebert

Autor: Joël Dicker

Ano de lançamento: 2012

 

Editora: Alfaguara

Publicação: 1ª edição – Novembro 2015

Número de páginas: 696

Tradução: Isabel St. Aubyn

Revisão: Cristina Correia, Eurídice Gomes e Manuel Eugénio Fernandes

 

 

Não há muitos livros de 700 páginas em caracteres de dimensão reduzida que actualmente eu consiga ler em 3 dias e pouco – sendo que um desses dias foi um dia útil, ou seja, estive a maior parte do dia a trabalhar. Mas foi o que aconteceu com este livro. “Viciante” é o adjectivo que mais ouvi quando me falaram dele, e é absolutamente adequado. Mas não chega para o definir.

 

Aliás, definir este livro não é tarefa linear. À primeira vista classifica-se como um policial – afinal, o enredo gira todo à volta do mistério do desaparecimento/morte de uma adolescente, ocorrido nos anos 70, e a pergunta-chave que queremos ver respondida é mesmo: afinal, quem matou Nola Kellergan? Mas à medida que fui avançando na leitura comecei a encontrar mais “sumo” na história.

 

Em primeiro lugar, o livro fala-nos também da escrita e do ofício de escritor. No início de cada capítulo encontramos uma espécie de tutorial para escrever uma história que agarre os leitores, que seja interessante, truques e métodos para que um livro tenha sucesso. E todos eles estão utilizados inteligentemente pelo próprio Joël Dicker neste “A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert” – a prova de que funcionam é o sucesso do livro. Estes conselhos são dados por um dos actores principais da história, o escritor/professor Harry Quebert, ao narrador principal da acção, o seu ex-aluno e também escritor Marcus Goldman. A relação entre eles ilustra em certa medida (com as devidas diferenças) o mito de Pigmalião, com o professor a “esculpir” o talento bruto que consegue ver no seu aluno, e que é também um outro aspecto interessante da história.

 

Em segundo lugar, este livro é no fundo um romance. A história de um amor quase impossível, com laivos de “Lolita”, em que um homem mais velho se apaixona por uma adolescente miúda e vice-versa. E várias outras histórias de amor e desamor emaranhadas na principal, em que A é amada por B mas ama C, que ama D, que é amada por E… tudo isto misturado num cocktail que ainda tem como ingredientes inúmeros outros pequenos dramas pessoais, segredos escondidos atrás de estores venezianos que se vão entreabrindo lentamente, revelados a conta-gotas, como convém (para manter o interesse) – pois nada do que parece é, e o pano de fundo da história é uma teia de enganos. E os heróis têm todos pés de barro. Tal como nós.

 

Mas uma teia bem urdida, é o que vos digo, pois no final tudo se encaixa. Ao longo da leitura fui compondo teorias umas atrás das outras, arranjando explicações possíveis para este ou aquele facto, tentando perceber o porquê de algumas incongruências… Trabalho vão. Se acertei nalguns pormenores, no geral fiquei muito aquém da explicação que só nos é dada mesmo nas últimas páginas, depois de vários falsos finais – sempre seguidos de mais uma reviravolta. Este livro parece uma matrioska às voltas numa montanha-russa. Com loops e tudo.

 

A verdade é que há já bastante tempo não me acontecia ser acometida por esta febre de ler um livro quase ininterruptamente. Não é um “livrão”, não é uma obra-prima da literatura ou material para um Nobel – mas é um livro excelente, entretenimento puro, bem concebido, bem escrito, e eu gostei muito, mesmo muito de o ler. Um livro aparentemente simples, mas que de simples afinal não tem nada.

 

Uma pedrada no charco da literatura moderna. Leiam e depois digam-me se não concordam.

 

 

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