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Gene de traça

Livros e etc.

História ou história?

por Ana CB, em 22.08.16

 

O SAMURAI NEGRO

João Paulo Oliveira e Costa

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Título: O Samurai Negro

Autor: João Paulo Oliveira e Costa

Ano de lançamento: 2016

 

Editora: Temas e Debates

Publicação: 1ª edição – Maio 2016

Número de páginas: 472

Revisão: Alda Mondas

 

As minhas expectativas em relação a este livro eram muito altas. Por várias razões, sendo a principal o facto de João Paulo Oliveira e Costa ser o autor de “O Império dos Pardais”, um dos meus livros preferidos. E também porque é sobre o Japão. E é um romance histórico, e promete ser o primeiro de uma trilogia. Enfim, estava plenamente preparada para gostar imenso de “O Samurai Negro”, porque tem todos os ingredientes necessários para uma boa história, e eu gosto de uma boa história.

 

Mas a verdade é que este livro não me seduziu como eu estava à espera.

 

João Paulo Oliveira e Costa é um historiador. Que escreve bem. Escreve sobre aquilo que conhece e estudou profundamente, e isso nota-se na forma como entrança o enredo ficcionado com os factos históricos. Só que n’“O Samurai Negro” dá nitidamente primazia à História sobre a história, e na minha opinião isso acaba por ser prejudicial para este livro.

 

O enredo gira à volta da presença portuguesa no Japão, na segunda metade do séc. XVI, a fase áurea em que Portugal era praticamente dono de meio mundo e ainda não suspeitávamos que a nossa independência iria estar perdida durante 60 anos. Em Portugal reinava D.Sebastião e os jesuítas eram o motor principal da expansão do cristianismo no planeta. No Japão, os grandes senhores guerreavam entre si pelo poder, e a nação era terra fértil para o comércio de armas e tudo o resto que os portugueses encontravam para obter lucro. À cidade costeira de Nagasáqui, no sudoeste do Japão (sim, aquela da bomba atómica na 2ª Guerra Mundial), chegam um príncipe congolês, um luso-brasileiro sobrinho de um pirata e um italiano enviado sob disfarce pelo papado de Roma. Aí vão cruzar-se com uma japonesa cristã, padres de várias origens, um chinês misterioso e uma variedade de outras personagens, umas fictícias, outras que existiram realmente e das quais reza a História. Ao longo dos quinze anos que este livro abarca sucedem-se peripécias várias, episódios imaginados são intercalados com factos verídicos, há mistérios e desencontros, amores e ciúmes, batalhas e raptos, mortes e nascimentos - um fluxo constante de informação da mais variada espécie que atravessa todo o livro.

 

E aqui está o primeiro e principal motivo que me incomodou: há demasiada confusão. A história salta incessantemente de umas personagens para as outras e, ainda por cima, no espaço e no tempo. Nada demais, muitos livros o fazem. Só que aqui os saltos são grandes, bruscos e por vezes quase que forçados, parece que fica sempre qualquer coisa incompleta, qualquer coisa que faz falta para dar mais corpo à história. É tudo aflorado como que ao de leve, as descrições são curtas (é verdade que descrições exageradamente longas são fastidiosas, mas eu preciso de cores e cheiros e texturas para poder “visualizar” os cenários de uma história), e em todo o livro parece que o autor está mais preocupado em nos falar dos factos históricos do que em nos contar “a” história que deveria ser, à partida, o elemento principal. Há um ligeiro esforço de espalhar alguns “mistérios” pelo enredo, tentando assim despertar a curiosidade e o interesse de quem lê, mas o resultado acaba por não surtir o efeito pretendido – ou pelo menos foi que o que sucedeu comigo. E com tudo isto, as personagens supostamente principais (entre as inúmeras que povoam o livro, tantas que às vezes me perdia) acabam por ter pouca profundidade, porque a história se dispersa e apenas nos vai falando delas quase “en passant”.

 

Depois há a questão do modo de falar das personagens. João Paulo Oliveira e Costa optou por as pôr a falar de uma forma algo arcaica, e isso nota-se bastante porque os diálogos ocupam grande parte do livro. Enquanto n’“O Império dos Pardais” utilizou esse recurso na medida certa, neste livro – quanto a mim – exagerou. A juntar a isto, usa também certas expressões japonesas com alguma frequência, e se uma ou outra são facilmente compreensíveis, porque já as conhecemos ou porque nos são explicadas na própria narração, outras nem tanto, e ter de puxar pela memória para tentar relembrar o seu significado ou perceber a que se referem acaba por quebrar a fluidez da leitura. E a propósito disto, faz falta no livro um glossário que explique estes e outros termos utilizados na narrativa, assim como um esboço do mapa do Japão na época em que se passa a história e – isso seria a cereja no topo do bolo – um índice cronológico dos factos históricos mais importantes durante os anos abrangidos pelo livro, até mesmo para termos melhor noção do que é verídico e do que é recriado ou inventado.

 

Isto não quer dizer que tenha detestado o livro, longe disso. Está bem escrito q.b. e tem interesse, sobretudo porque nos fala de uma fase menos conhecida e divulgada da nossa (e não só) História, redimindo um pouco a imagem algo denegrida que temos dos jesuítas e da sua influência no mundo e mostrando-nos como podem existir pontes entre pessoas e ideias que à partida parecem ser antagonistas. É um livro que enriqueceu mais um bocadinho o meu conhecimento, e isso é sempre um ponto positivo.

 

Gostei do livro, mas queria mesmo muito ter gostado mais. Queria ter gostado imenso. Queria ter adorado. Só que não adorei. Só gostei um bocadinho, e isso desilude-me a ponto de não saber se vou querer ler os outros dois que ainda hão-de sair.

 

Não tenho salvação possível

por Ana CB, em 03.06.16

 

Fui comprar um livro para oferecer à filha de uma amiga. Tentei manter-me estoicamente afastada das prateleiras com livros que não aqueles estritamente adequados ao fim pretendido.

 

A sério que tentei.

 

Mas já a caminho da caixa dei com os olhos neste:

 

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E pronto! Foi amor à primeira vista, e nem hesitei em pegar nele e comprá-lo.

 

É um romance histórico. É sobre os portugueses no Japão. É do João Paulo Oliveira e Costa, que escreveu “O Império dos Pardais”, um livro de que gostei imenso (um dia hei-de falar nele aqui). A capa remete para os biombos Namban. Como poderia eu resistir?

 

Tendo em conta que neste momento tenho quatro livros em modo de leitura intermitente, e apesar de estar desejosa de começar a ler este, acho que vou guardá-lo para as férias. É um bom livro para ler em viagem (se calhar em vez deste devia levar o “Drácula” do Bram Stoker, para ficar mais de acordo com o ambiente, mas não me apetece lê-lo outra vez…).

 

Ah! Já me esquecia de dizer que é o primeiro livro de uma trilogia. O que quer dizer que muito provavelmente vou ter de comprar os outros dois. Estou tão, mas tão tramada…

 

 

 

Tempos de mudança

por Ana CB, em 26.04.16

A TRILOGIA DO CAIRO

Naguib Nahfouz

 

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Livro #1

Título: Entre os Dois Palácios

Título original: Bayn al-qasrayn

Autor: Naguib Mahfouz

Ano de lançamento: 1956

Editora: Civilização

Publicação: 3ª edição – Abril 2011

Número de páginas: 508

Tradução: Badr Hassanein

 

Livro #2

Título: O Palácio do Desejo

Título original: Qasr esh-Shawq

Autor: Naguib Mahfouz

Ano de lançamento: 1957

Editora: Civilização

Publicação: Abril 2008

Número de páginas: 440

Tradução: Badr Hassanein

 

Livro #3

Título: O Açucareiro

Título original: Es-Sukkariyya

Autor: Naguib Mahfouz

Ano de lançamento: 1957

Editora: Civilização

Publicação: 32ª edição - Março 2009

Número de páginas: 324

Tradução: Badr Hassanein

 

 

Tive a feliz ideia de comprar estes três livros numa promoção e só posso dizer-vos que foi uma das melhores decisões que tomei em toda a minha vida de leitora, porque assim pude lê-los todos de seguida. E que bem me soube!

 

Esta obra-prima do escritor egípcio Naguib Mahfouz (1911-2006), que foi galardoado com o Nobel em 1988, conta-nos a história de uma família muçulmana tradicional no Cairo durante a ocupação britânica nas primeiras décadas do séc. XX. A saga abrange três gerações da família cujo severo patriarca, Ahmad Abd al-Jawad, vive como que uma espécie de vida dupla: de dia é o respeitável proprietário de um negócio e um temido chefe de família a quem ninguém se atreve a desobedecer, enquanto à noite leva uma vida semi-secreta de devassidão e adultério. Ele é o protótipo do homem que arroga a hipocrisia de se achar livre de fazer tudo o que lhe apetece sem que ninguém possa apontar-lhe o dedo, ao mesmo tempo que rejeita a possibilidade de idêntica conduta nos outros. Amina, a sua segunda mulher e mãe de quatro dos seus cinco filhos, é a típica esposa dócil e submissa cuja vida gira em torno do marido, dos filhos, e da gestão impecável da sua casa, onde nada pode falhar. Abnegada e receosa, abdica da sua própria felicidade para satisfazer a dos que lhe são próximos. A vida de Aisha e Khadija, as filhas, é também de recato e reclusão, apesar de ambas terem temperamentos muito diferentes. Dos filhos, Yasin é o mais velho, nascido do primeiro casamento de al-Jawad, e é o mais parecido com o pai tanto em ideias como em atitudes. Fahmy, o do meio, é um idealista. E Kamal, o benjamim da família, é o preferido do pai, e um intelectual em busca da sua própria essência e do seu lugar no mundo.

 

Há ainda todo um rol de personagens secundárias com personalidades diversas e funções bem definidas na história, todas elas igualmente deliciosas.

 

Ao longo dos três livros, os acontecimentos que marcam esta família são o reflexo das turbulências que agitam o país nos anos que da primeira à segunda Grande Guerra e das mudanças sociais inerentes, às quais alguns tentam resistir. Mas nem os apoiantes de grandes mudanças nem os tradicionalistas arreigados saem “vencedores” desta contenda que é recorrente em todos os países, em todas as sociedades do mundo, pois nem as mentes mais vanguardistas conseguem largar completamente alguns hábitos e preconceitos de que estão imbuídos, nem os mais retrógrados conseguem evitar que a sociedade vá evoluindo, mesmo que lentamente, no sentido que eles menos desejariam.

 

Não tem paralelo a mestria de Naguib Mahfouz em conseguir transmitir através da palavra escrita todos os cambiantes da personalidade de cada um dos protagonistas da história, a sensibilidade com que narra até mesmo os acontecimentos mais chocantes, por vezes de forma tão subtil que deles apenas temos um breve vislumbre, a riqueza das descrições que faz de cada cenário, dos ruídos, dos ambientes. Nada do que ele escreve ou descreve é aborrecido ou em excesso, os livros lêem-se com enorme facilidade e fluidez. O autor revela-nos de forma natural, sem forçar, as personagens dos seus livros na sua forma mais humana, penetrando no seu coração e na sua mente para lhes conhecermos as dores e alegrias, as esperanças e desesperos, as paixões e ódios. E simultaneamente conta-nos parte da história do Egipto através das opiniões e dos pensamentos dos vários membros que compõem esta família e as suas diferentes perspectivas em relação à vida.

 

Uma nota final para a excelente qualidade da versão traduzida em português, à qual não será certamente alheio o facto de ter sido feita directamente do árabe e não de uma versão noutra língua. Um trabalho excepcional de grande fôlego – são, ao todo, mais de mil e duzentas páginas impressas num estilo denso – ao qual tiro o chapéu, pois estou bem ciente da dificuldade de uma empreitada deste género e com este nível qualitativo (ou não fosse esta também a minha profissão, embora noutra área).

 

A Trilogia do Cairo é, na minha opinião, uma grande obra de um grande escritor, e uma leitura absolutamente incontornável. E – acreditem! – não estou a exagerar.

 

 

Viagem no tempo

por Ana CB, em 30.08.15

 

MAR DE PAPOILAS

Amitav Ghosh

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Título: Mar de Papoilas

Título original: Sea of Poppies

Autor: Amitav Ghosh

Ano de lançamento: 2008

 

Editora: Editorial Presença

Publicação: 1ª edição – Maio 2009

Número de páginas: 460

Tradução: Marta Mendonça

 

 

Norte da Índia, primeira metade do séc. XIX, vésperas do ataque britânico aos portos da China naquela que ficou conhecida como a primeira guerra do ópio. Sob o domínio britânico, o país está a sofrer grandes mudanças; os agricultores são forçados a abandonar o cultivo de produtos importantes para a sua subsistência, substituindo-os pelo ópio, muito mais rentável para a Companhia Britânica das Índias Orientais.

 

Chega a Calcutá o anteriormente navio negreiro Ibis, agora adaptado ao transporte de coolies (trabalhadores braçais) para as plantações de açúcar das ilhas Maurícias. Para ele vão convergir várias pessoas, oriundas de locais e enquadramentos variados, cujas histórias individuais seguimos durante algum tempo, até que se fundem numa só – a história da viagem do Ibis. A viúva de um agricultor ópio-dependente, um gigante condutor de carroças, um marinheiro descendente de escravos americanos, um rajá anglófilo, um comerciante britânico sem escrúpulos, um contabilista espiritual, a filha órfã de um botânico francês, um jovem barqueiro, todos eles vão cruzar-se e terem as suas vidas entrelaçadas a bordo do Ibis.

 

“Mar de Papoilas” é um romance histórico, o que quer dizer que o enredo é apenas uma parte da história. O autor vai bem mais além, e oferece-nos como bónus um manancial de informação sobre a Índia do séc. XIX: comida, vestuário, cultos religiosos, ritos funerários e de casamento, trocas comerciais, justiça criminal, medicamentos tradicionais, navegação e tudo o mais que consegue ter lugar no desenrolar da história. As descrições são vívidas, coloridas, pormenorizadas, e fiéis aos documentos históricas tanto quanto possível. Ghosh pinta um quadro realista da época e dos seus costumes, até mesmo na linguagem que utiliza, cheia de termos específicos nem sempre fáceis de assimilar, porque reproduzidos na língua original – e esta será provavelmente a parte mais complicada da leitura. Felizmente, no final do livro são disponibilizadas algumas páginas em jeito de dicionário, onde todos os termos são explicados e descritos em pormenor. Mais interessante ainda, para mim, foi constatar que muitos desses vocábulos são de origem portuguesa, o que se pensarmos bem até nem será surpreendente, atendendo à nossa longa presença no território e ao domínio português das rotas comerciais marítimas durante vários séculos.

 

O final de “Mar de Papoilas” é aberto, deixa-nos a ansiar por saber o que virá a seguir. E a razão é simples: é o primeiro livro de uma trilogia. Em 2011 foi publicado “River of Smoke”, e em 2015 “Flood and Fire”. Infelizmente, e vá-se lá saber porquê, estes dois volumes não foram publicados em português - pelo menos não até à data. Mais uma lamentável lacuna no panorama editorial do nosso país… A história de “Mar de Papoilas” é uma verdadeira viagem no tempo, contada de forma vívida, realista e empolgante, e uma que eu gostaria de continuar. Mas neste momento, só se for em inglês…

 

 

Os meus favoritos

por Ana CB, em 23.09.14

 

Esta moda dos desafios irrita-me um bocado, e até agora não tinha alinhado em nenhum. Mas há dias uma amiga muito querida desafiou-me a fazer uma lista de livros de que gosto, e a este eu não resisti – pela amiga em questão, e por ser sobre livros.

A tarefa não foi nada fácil e a lista inicial estava tão extensa que tive de cortar bastantes, e mesmo assim ainda é bem grandinha. Por essa mesma razão, e para a lista também não ser demasiado óbvia e entediante, optei por deixar de fora muitos clássicos e alguns best-sellers muito “badalados” e já conhecidos de quase toda a gente, e escolhi alguns que serão certamente desconhecidos para a maioria das pessoas.

Tentei também incluir livros de vários géneros diferentes, a bem da diversidade.

É, está claro, uma lista muito pessoal e sem quaisquer pretensões intelectuais ou comerciais.

 

“O Tao do Pooh” – Benjamin Hoff

“Mas é Bonito” – Geoff Dyer

“Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada” – Pablo Neruda

 

“Histórias Extraordinárias” – Edgar Allan Poe

“Guerra e Paz” – Leon Tolstoi

“O Retrato de Dorian Gray” – Oscar Wilde

 

“As Intermitências da Morte” – José Saramago

“A Cidade e as Serras” – Eça de Queiroz

“Retalhos da Vida de um Médico” – Fernando Namora

“O Império dos Pardais” – João Paulo Oliveira e Costa

 

“Wolf Hall” e “O Livro Negro” – Hilary Mantel

“Um Quarto com Vista” – Edward Morgan Forster

“O Físico” – Noah Gordon

“O Perfume” – Patrick Süskind”

“O Boticário do Rei” – Jean-Christophe Rufin

Trilogia do Cairo (“Entre os Dois Palácios”, “O Palácio do Desejo”, “O Açucareiro”) – Naguib Mahfouz

“A Alameda do Rei” – Françoise Chandernagor

“A Estratégia do Bobo” – Serge Lentz

“Da Parte da Princesa Morta” – Kenizé Mourad

“O Tempo Entre Costuras” – María Dueñas

 

“Americanah” – Chimamanda Ngozi Adichie

“Cem Anos de Solidão” – Gabriel Garcia Márquez

“O Quinto Filho” – Doris Lessing

“Meia Noite no Jardim do Bem e do Mal” – John Berendt

 

“A Dália Negra” – James Ellroy

Trilogia Millennium (“Os Homens que Odeiam as Mulheres”, “A Rapariga que Sonhava com uma Lata de Gasolina e um Fósforo”, “A Rainha no Palácio das Correntes de Ar”) – Stieg Larsson

“O Assassinato de Roger Ackroyd” – Agatha Christie

 

“1984” – George Orwell

“Admirável Mundo Novo” – Aldous Huxley

“Viagem Fantástica ao Cérebro” – Isaac Asimov

“O Hobbit” – JRR Tolkien

 

A propósito da Primeira Grande Guerra

por Ana CB, em 03.08.14

 

A VIDA SECRETA DE STELLA BAIN

 

 Anita Shreve

 

 

 

 

 

Título: A Vida Secreta de Stella Bain

Título original: Stella Bain

Autor: Anita Shreve

Ano de lançamento: 2013

 

Editora: Clube do Autor

Publicação: 1ª edição – Julho 2014

Número de páginas: 256

Tradução: Eugénia Antunes

Revisão: Rui Augusto

 

 

A minha categoria de livros preferida é sem dúvida o romance histórico. O facto de a trama se situar numa época mais ou menos remota permite uma variedade infindável de temas abordados, de personagens que podem ser totalmente fictícias ou reconstituídas com maior ou menor fidelidade a partir de factos verídicos, de pormenores e descrições que me ensinam sempre algo que desconhecia. Proporcionam distracção e aprendizagem em simultâneo, satisfazem a minha curiosidade e ao mesmo tempo incentivam-me a querer saber mais sobre determinados assuntos. E é por isso que são frequentemente a minha primeira opção quando penso em comprar mais um livro (ou vários…).

 

Este novo livro de Anita Shreve, acabadinho de publicar no nosso país, aborda precisamente (e é muito provável que tenha sido lançado de propósito nesta altura) a efeméride de que mais se tem falado nos últimos tempos: a Primeira Guerra Mundial, sobre cujo início formal (28 de Julho de 1914) se cumpriram agora exactamente 100 anos.

 

Abordar é, no entanto, o verbo realmente mais indicado para referir o tratamento dado a este pedaço da História em “A Vida Secreta de Stella Bain”. A Primeira Guerra serve apenas de mote para os acontecimentos descritos na primeira parte do romance, não sendo mais do que um pretexto para introduzir outros temas igualmente tratados neste livro.

 

Mas vamos à história. Em 1916, uma mulher acorda amnésica num hospital de campanha no Marne, uma das frentes de batalha da Primeira Guerra em território francês. Pensa chamar-se Stella Bain, ser americana e enfermeira voluntária, ocupação que acumula com a de condutora de ambulâncias.

 

Ao longo de vários meses, enquanto trabalha na frente, Stella vai descobrindo algumas das suas aptidões e ocorrem-lhe pensamentos que suspeita serem lampejos de memórias. É seguindo o seu instinto que acaba por se encontrar em Londres, onde é acolhida casualmente pela mulher de um médico, um especialista em cirurgia craniana que se interessa pela emergente disciplina da psicanálise e se propõe ajudá-la a recuperar a memória.

 

O percurso do livro leva-nos ainda ao New Hampshire, uma região no nordeste dos Estados Unidos, e cruza flashbacks da vida da protagonista com saltos temporais na evolução da narrativa, alterna missivas trocadas entre continentes com descrições de um julgamento em tribunal, entrança traumas de guerra com direitos das mulheres e questões morais das mais diversas espécies, onde até a pedofilia e a homossexualidade têm o seu quinhão de espaço na história.

 

E é precisamente em toda esta “misturada” que na minha opinião reside o ponto fraco deste livro. São tantos os temas explorados ou aflorados que acabamos por ficar sem perceber qual é exactamente o ponto fulcral da história. Percebe-se que tudo gira à volta da protagonista, dos seus dilemas morais e dos episódios que se vão sucedendo na sua vida, mas… A sensação com que fiquei foi que alguns desses temas foram um bocado metidos “a martelo” na narrativa, como se a autora quisesse falar de uma coisa mas depois lhe surgisse outra ideia, e depois mais outra e outra, e ela quisesse colocar tudo lá dentro mas sem na realidade conseguir (ou ter tempo para) aprofundar um pouco mais qualquer um deles. É assim como que uma espécie de “menu de degustação” de questões candentes numa época de importantes mudanças sociais e políticas, como foi o caso daquela em que tem lugar a história contada no livro (entre 1896 e 1930, com especial incidência em 1916-18). Provamos um pouco de tudo, mas não chegamos a conseguir ficar com uma ideia completa de nada, ou quase nada.

 

Quanto à vertente “romance”, essa está devidamente assegurada, ou não fosse a autora já uma escritora com grande experiência nesta área – afinal, este já é o seu 17º livro. Além disso, este livro é uma espécie de “complemento” de uma sua outra obra, “Tudo o que Ele Sempre Quis”, à qual vai buscar algumas personagens mas contando a história do ponto de vista de outra delas, neste caso o elemento feminino; e Anita Shreve é realmente exímia na criação de mulheres indómitas e muito à frente do seu tempo, mulheres que rompem com os estereótipos da época em que vivem (embora talvez exista um pouco de utopia na construção dessas mulheres, que parecem ser quase perfeitas e completamente íntegras, mesmo nos seus defeitos).

 

O tom geral da narração é circunspecto e triste, a pender para o trágico. Mesmo os momentos mais felizes são descritos com alguma gravidade à mistura. A autora não faz grandes concessões à leveza de ambientes, e muito menos ao humor. Não conheço as suas obras o suficiente para presumir que seja sempre este o seu estilo de escrita, mas assemelha-se ao utilizado no único outro livro que li também da sua autoria, “A Praia do Destino”.

 

Em resumo, é um livro escrito de forma escorreita e com uma história interessante o suficiente para nos prender até à última página, apesar do final um pouco previsível. A variedade dos temas que aborda e a superficialidade com que são tratados deixou-me com a sensação de que ficou a faltar qualquer coisa, mas mesmo assim ofereceu-me algumas horas de distracção. Não sendo fabuloso, lê-se bem, e não causa quaisquer traumas.

 

O que também já acabei de ler: Quem Matou o Almirante?, da autoria conjunta de alguns elementos do The Detection Club. Dele falarei em breve…