Amor e copos de água
ROMANCE ACIDENTAL
Martha Woodroof
Título: Romance Acidental
Título original: Small Blessings
Autor: Martha Woodroof
Ano de lançamento: 2014
Editora: Edições Asa II
Publicação: 1ª edição – Março 2015
Número de páginas: 399
Tradução: Elsa T. S. Vieira
“Se Jane Austen e Woody Allen se juntassem para escrever um livro o resultado seria algo semelhante a Romance Acidental”. Foi esta frase escrita na capa que me aguçou a curiosidade e me fez comprar este livro. A sinopse também ajudou. A história de um professor de inglês, Tom Putnam, casado com uma mulher neurótica e dependente, na vida de quem surgem de repente uma interessante livreira e um filho que obviamente não pode ser dele… Suficientemente intrigante para despertar o meu interesse. Foi por isso com expectativas algo elevadas que comecei a ler o livro de Martha Woodroof. Talvez elevadas demais, inteiramente por “culpa” do bom marketing a ele associado (gosto tanto da capa…). E talvez por isso quando acabei de o ler me tenha sentido um bocadinho frustrada.
Mas vamos por partes. O melhor do livro? A história e as personagens. O pior do livro? A história e as personagens. Hã? Estou a confundir-vos? Pois é isso mesmo que este livro criou em mim: sentimentos mistos.
A autora conseguiu criar um enredo interessante e algo fora do vulgar, que desenvolve com segurança. A acção vai decorrendo de forma fluida e sem atropelos, e ainda assim temperada com a quantidade suficiente de mistério para nos manter intrigados sobre o que está para vir. Há um certo lirismo que transparece na escrita de Martha Woodroof, tanto nas situações que cria como nas imagens frequentemente metafóricas e simbólicas que usa nas descrições. E em toda a história perpassa uma certa “delicadeza” – como se todos andassem em bicos de pés – que nem mesmo os momentos mais terra-a-terra ou dramáticos conseguem destruir.
As personagens têm personalidades bem definidas e compõem um leque diversificado. Tom é um professor calmo e empenhado, e um marido dedicado; Rose é um poço de charme, uma mulher independente e cheia de encantos, mas com dificuldade em prender-se; Marjory é uma borboleta frágil de asas queimadas, um espírito perdido no mundo dos humanos; Agnes é um pilar de força, sensatez e amor; Iris é excêntrica e descompensada; Russell é pedante e traumatizado; e Henry é o filho bem comportado que todos gostaríamos de ter.
Só que… É tudo bom demais para ser verdade. Ninguém é assim. Ninguém é tão paciente e abnegado quanto Tom, nem tão invulgar e brilhante quanto Rose; nenhuma criança de seis ou sete anos é tão madura quanto Henry… Todas as personagens do livro parecem (ou pelo menos parecem-me) demasiado pouco credíveis, até mesmo para um romance tão repleto de sentimentos e sensibilidade quanto este. Não consegui sentir nenhuma delas como realmente humana, corpórea, não se estabeleceu entre mim e elas aquela “ligação” que me faz entrar numa história como se estivesse a visualizá-la, ou até mesmo a vivê-la.
Quanto à acção, apesar de me ter prendido o suficiente para ler o livro em pouco tempo, acaba por ter um enredo algo “conveniente”, e mesmo as ameaças de um final menos previsível não passam disso mesmo: simples ameaças. As cenas mais dramáticas e emotivas não conseguiram verdadeiramente manter-me em suspenso, nem surpreender-me com reviravoltas inesperadas – a não ser por terem um desfecho mais rápido ou simples do que eu contava.
Talvez a impressão que este livro me deixou seja influenciada pelo facto de o ter lido logo a seguir a um outro que, esse sim, tem mais contacto com a realidade. E na verdade até o apreciei o suficiente para recomendar a sua leitura a quem gostar de romances tipicamente norte-americanos, cheios de ternura, com muito fatalismo e muitos sentimentos e traumas escondidos, à mistura com um apontamento de humor aqui e ali, e a habitual dose de moralidade q.b.
Mas, para mim, lê-lo foi um pouco como beber uns quantos copos de água: matou-me a sede de leitura, mas não foi suficiente para alimentar o meu espírito.