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Gene de traça

Livros e etc.

Uma ESTANTE em formato de revista

por Ana CB, em 21.07.14

 

Comprei há dias o n.º 2 da ESTANTE. Para quem ainda não conhece, a ESTANTE é uma revista publicada e lançada recentemente pela FNAC que, como não podia deixar de ser, fala de livros e do universo que os rodeia. Num panorama tão pobre em revistas deste género (falo de quantidade, não de qualidade), um novo projecto editorial deste tipo é sempre de saudar.

 

O primeiro número saiu em Abril e foi distribuído gratuitamente. Este segundo número (é uma revista trimestral) é vendido ao preço quase simbólico de 1,5 €, sendo que para quem tem cartão FNAC este valor é acumulado na totalidade no cartão. Nada mau como estratégia de marketing… Além disso, a revista está também online em www.revistaestante.fnac.pt.

 

É uma revista que cheira a livros: impressa em papel creme, pesado e sem brilho (reciclado, provavelmente), com um formato bastante portátil, ligeiramente mais pequeno do que o A4, e com 64 páginas, das quais apenas meia dúzia é publicidade. Tem uma tiragem de 20.000 exemplares, por isso mesmo que sejam todos vendidos parece-me difícil que este projecto dê lucro – o que abona ainda mais a favor desta iniciativa.

 

O editorial deste número 2 é assinado por Rui Zink que defende, entre outras coisas, que “ler torna o mundo melhor” – e se não houvesse outras razões, só por isto para mim já teria valido a pena comprar a revista. É ele também o protagonista da página “Alter Ego”, onde coloca perguntas e dá as respostas, sempre naquele tom irónico que já se tornou a sua imagem de marca. Gosto do Rui Zink. Tem uma forma de falar e escrever que é ao mesmo tempo incisiva e descontraída, altamente crítica e bem-humorada. Uma boa escolha, a lembrar-me de que tenho de ler mais coisas dele.

 

A revista está dividida em três grandes blocos: vírgula, parênteses e reticências. O primeiro bloco é assim uma espécie de jornal do mundo livreiro, onde se fala de lançamentos, efemérides e acontecimentos. Nos parênteses há artigos e entrevistas de fôlego, e as reticências englobam apontamentos vários e mais ou menos extensos sobre vários tipos de livros, livrarias, editores, escritores e tendências.

 

Do que é que mais gostei? Em primeiro lugar, do tema de capa, a literatura de viagens, porque às vezes, e muitas vezes, “a melhor ou a única maneira de viajar é mesmo com um livro”. Apaixonada por viagens como sou, este artigo tinha mesmo de me agradar. O texto está dividido pelos cinco continentes, à mistura com uma história breve sobre este tipo de literatura, e são evocados autores e livros de referência escritos sobre cada uma destas regiões do planeta, alguns já bem meus conhecidos, outros nem tanto assim. De onde resultaram mais uns quantos títulos acrescentados à minha longa lista de livros a ler (e também a oferecer) num futuro próximo.

 

Outro artigo que li com particular prazer tem como tema a literatura policial, mais propriamente a “comparação” entre os livros policiais nórdicos e os clássicos. Obviamente, é uma comparação entre estilos e características, sem qualquer intenção de classificar uns como melhores ou piores do que os outros, mas chamou-me a atenção para um aspecto do qual eu ainda não tinha tomado realmente consciência: enquanto que a trama de um policial clássico gira habitualmente à volta do crime e de quem o poderá ter cometido, nos livros policiais nórdicos as questões e motivações sociais e psicológicas (e às vezes até económicas) são um pano de fundo tão importante como o crime em si, e às vezes mais ainda.

 

Depois há ainda duas páginas com um roteiro de 10 livrarias (algumas já famosas, outras nem por isso) emblemáticas e únicas no seu género em todo o mundo, onde como é óbvio não podia faltar a “nossa” Lello, um outro artigo sobre banda desenhada onde se fala de Batman e outros super-heróis com problemas existenciais, e uma página – a última antes da capa – dedicada a artigos de papelaria, que o meu lado-traça ficou imediatamente cheio de vontade de comprar.

 

A impressão com que fico é que na ESTANTE tentam conjugar o melhor de dois mundos: temas variados e de fácil leitura para a maioria do público, e uma evidente preocupação com a qualidade do conteúdo (a par com a divulgação daquilo que a própria FNAC vende, como não podia deixar de ser). Uma tentativa de nivelar por cima sem cair no excesso de “intelectualidade”. Neste segundo número o objectivo parece-me ter sido conseguido, nos próximos logo veremos. Se continuarem assim, ganharam uma leitora.

O livro que se segue…

por Ana CB, em 09.07.14

 

A minha prateleira dos livros para ler conta finalmente com mais algumas aquisições recentes, que vou saborear de preferência, e sempre que puder, em tardes quentes (mas onde anda o Verão? ...) deitada na espreguiçadeira da minha varanda.

 

 

 

 

 

 

“Os Cadernos Secretos de Agatha Christie”, de John Curran – porque gosto imenso de policiais e sou uma fã da Agatha Christie desde há muitos anos.

  

 

 

 "A Vida Secreta de Stella Bain”, de Anita Shreve – porque gosto de romances históricos e não desgostei de “A Praia do Destino”, que é da mesma autora.

  

 

 

“As Mulheres de Summerset Abbey”, de T. J. Brown – porque foi oferta quando encomendei o livro da Anita Shreve (obrigada, FNAC online!) e porque já li o 2º livro desta trilogia (também oferta) e, apesar de ser leitura levezinha, já agora tenho curiosidade em conhecer o princípio da história.

 

  

 

“Cisnes Selvagens”, de Jung Chang – este vai ser uma re-leitura; adorei o livro quando o li, há já bastantes anos, emprestado por uma amiga; mais recentemente, uma outra amiga com bom gosto ofereceu-mo, e vou voltar a mergulhar nesta história.

  

Obviamente, tenho mais alguns livros já debaixo de olho… mas tudo tem o seu tempo.

 

Bibliotecas de Verão

por Ana CB, em 02.07.14

 

Decididamente, as Bibliotecas de Verão deixam-me dividida. Por Bibliotecas de Verão refiro-me àquelas séries de livrinhos normalmente pequenos e/ou fininhos, com capas mais ou menos chamativas, que alguns jornais e revistas lançam periodicamente por esta altura do ano e distribuem a custo zero – ou quase – com as suas publicações regulares, e cuja finalidade é obviamente a de tentar manter a fidelidade dos leitores durante o período de férias.

 

Vem isto a propósito de recentemente me ter encontrado à míngua de livros novos (houve atraso na expedição de uma encomenda que fiz) e ter decidido socorrer-me de um desses livrinhos que ainda se encontrava por ler.

 

Abro aqui um hipotético parêntesis para esclarecer que tenho uma prateleira reservada para livros que vou comprando ou me oferecem e ainda não li, junto com aqueles que comecei a ler há mais ou menos tempo mas nunca tive vontade de acabar (normalmente por desinteresse). É uma prateleira com muita rotatividade, por vezes bastante cheia e outras nem por isso, mas na qual também vivem alguns títulos há já vários anos, quase como se ali já tivessem lugar cativo. E é também uma prateleira muito democrática, porque entre estes “habitués” se encontram grandes clássicos coabitando com livros mais humildes, autores modernos e outros já falecidos, boas encadernações e publicações baratuchas, que até nestas coisas de leitura eu sou a favor da miscigenação.

 

Pois calhou então eu ter-me visto obrigada a ir buscar um desses “enjeitados” que ocupam a dita prateleira, e escolhi precisamente um clássico publicado há já alguns anos numa das tais Bibliotecas de Verão que referi acima: O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson.

 

Sendo uma obra pequena, praticamente um conto, a leitura não me ocupou muitos dias – e mesmo assim precisei de fazer render um pouco o peixe. Mas o que mexeu mais comigo foi mesmo a fraca qualidade da publicação em si. Por publicação neste caso já nem estou a referir-me à encadernação ou ao papel, mas sim à tradução e edição do texto em causa, que deixam muito, imenso, a desejar.

 

E eis aqui o motivo de me encontrar dividida: é que se por um lado eu sou uma acérrima defensora da leitura só pela leitura – porque acho que é melhor ler qualquer coisa do que não ler nada, pois assim pelo menos criam-se hábitos de leitura e com o tempo a tendência será sempre para ir “refinando” um pouco o gosto –, por outro lado tira-me completamente do sério assistir ao assassinato sistemático da língua portuguesa e irrito-me quando estou a ler textos mal escritos, seja por deficiência de quem escreve, de quem traduz, ou de quem edita.

 

Não é propriamente uma novidade dizer que a nossa língua tem vindo a ser progressivamente cada vez mais maltratada, e esta situação parece não ter retorno nem sequer melhoras. É assunto com pano para mangas e se começo a falar disso nunca mais acabo. Paradoxalmente, os grandes culpados desta situação parecem ser os agentes que à partida deveriam ser os guardiões maiores da nossa língua: os decisores do Ministério da Educação que concebem os programas de português que são ministrados nas nossas escolas, os professores que se preocupam mais com os conteúdos formais desses programas do que com os resultados práticos que eles irão ter, a comunicação social nas suas várias vertentes, e obviamente as editoras de livros.

 

Uma coisa é um livro ter um conteúdo fraquinho, ou estar escrito de uma forma vulgar ou pobre de vocabulário, ou ter um estilo ininteligível. São questões que têm a ver com o autor e com a decisão da editora de o publicar. Outra coisa completamente diferente é lermos um livro em que os defeitos maiores são a má qualidade da sua tradução, inúmeras gralhas e erros gramaticais, deficiências de formatação e outros quejandos. Desconcentra quem se apercebe desses defeitos, roubando uma parte do gozo que se tira da leitura, e engana quem não se apercebe deles e irá provavelmente repeti-los mais tarde noutras circunstâncias. É um mau serviço, e não tem desculpa.

 

Daí a minha dúvida quanto aos benefícios das tais Bibliotecas de Verão. São de louvar estas iniciativas que instigam à leitura, quaisquer que sejam os motivos escondidos por trás delas. Mas os benefícios que proporcionam ficarão à partida anulados se a qualidade formal da leitura oferecida for tão baixa que acabe por fazer mais mal do que bem.

 

O MÉDICO E O MONSTRO

 

Robert Louis Stevenson

 

 

 

Título: O Médico e o Monstro

Título original: Dr. Jekyll and Mr. Hyde

Autor: Robert Louis Stevenson

Ano de lançamento: 1886

 

Editora: Quidnovi, para a colecção Biblioteca de Verão da Global Notícias

Publicação: 2010

Número de páginas: 96

 

 

Apesar de já ter lido muitos clássicos, sobretudo durante a minha adolescência, e de conhecer sobejamente esta história, nunca tinha lido o livro. Não sendo R.L. Stevenson um dos meus autores favoritos, o tema abordado nesta novela é sem dúvida uma das grandes questões existenciais que aflige o ser humano: a coexistência do bem e do mal em cada um de nós. Stevenson trata-a à boa maneira da época vitoriana, quando a rigidez moral e os ditames sociais se sobrepunham à individualidade e até mesmo à felicidade pessoal, com tudo o que isso implicava de positivo e negativo. Um tema talvez menos candente nos dias de hoje, em que já não estabelecemos a maioria das definições em termos de preto ou branco e admitimos uma grande gama de cinzentos, mas sobre o qual vale mesmo assim a pena pensar.

 

O estilo de Robert Louis Stevenson é perceptível mesmo apesar da fraca qualidade da edição – mas confesso que por curiosidade fui coscuvilhar a versão inglesa, para confirmar se a minha impressão estava correcta e não tinha sido demasiado afectada pela tradução do texto. Embora tenha um narrador de fundo, a história é em certas partes indirectamente contada por outras vozes, e é constantemente engordada por descrições tanto dos locais como das pessoas, e no caso destas tanto físicas como psicológicas. O ambiente geral da novela é soturno, obviamente para acentuar o drama moral à volta do qual se desenvolve a história, e o desenlace não destoa.

 

Claro que teria gostado muito mais de ler este livro se a publicação não padecesse das doenças de que falei atrás. Mas acabo por chegar à conclusão de que nunca consigo julgar desperdiçado o tempo que passo a ler. Mesmo quando essa leitura me suscita opiniões divergentes e eu fico dividida entre o bem e o mal.